Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

Conjectura abc causa discussão no reino da matemática

Japonês diz ter resolvido problema, mas especialistas não entendem resolução e questionam

Um dos problemas mais famosos e importantes da matemática se encontra numa situação estranha: a solução existe, mas ela é tão longa e abstrata que ninguém sabe dizer se está correta.

Não é incomum que problemas matemáticos tenham soluções difíceis. A prova da conjectura de Poincaré, de G. Perelman, em 2003, demorou alguns anos para ser entendida e aceita, e o mesmo aconteceu com a prova do teorema de Fermat, do britânico A. Wiles, em 1993. E a prova do teorema das quatro cores, que usa computador, até hoje não tem uma versão que possa ser entendida integralmente por um humano. Mas a situação atual da “conjectura abc” é ainda pior.

Peter Scholze segurando a Medalha Fields
Peter Scholze foi a Kyoto discutir com S. Mochizuki a resolução da conjectura abc - Carl de Souza/AFP

Considere números inteiros positivos a, b e c que não tenham fatores comuns e tais que a+b=c. Por exemplo, 8+25=33 (9+12=21 está excluído porque os três números são divisíveis por 3). Multiplique todos os fatores primos dos números a, b e c. No exemplo, eles são 2, 5, 3 e 11, e o produto é 330. A conjectura abc afirma que esse produto é sempre bem maior que o número c, exceto possivelmente num número finito de casos.

A conjectura foi mencionada pela primeira vez em 1985 pelo francês J. Oeseterlé, num caso particular que logo foi generalizado pelo britânico D. Masser. Alguns anos depois, o norte-americano N. Elkies observou que a solução dessa conjectura avançaria muitíssimo a teoria das equações com números inteiros, iniciada pelo matemático helenístico Diofanto no século 3. O alemão G. Faltings, que ganhou a Medalha Fields em 1986 por trabalhos nesta área, explica: “Se abc for verdade, não saberemos apenas quantas soluções uma equação tem, nós poderemos listá-las.”

O problema é que ninguém tinha ideia de como atacar o problema. Pelo menos até 30 de agosto de 2012, quando o japonês S. Mochizuki postou na internet quatro trabalhos (mais de 500 páginas!) que conteriam uma solução.

Mas os especialistas vêm tendo muita dificuldade para entender os argumentos de Mochizuki. Alguns poucos matemáticos leram tudo e dizem que entenderam, mas mesmo esses não conseguem explicar aos demais. Dessa forma, o ceticismo vem crescendo na comunidade.

Entre os céticos está o alemão P. Scholze, um dos maiores especialistas em aritmética na atualidade. Em março deste ano, meses antes de vir ao Rio de Janeiro receber sua Medalha Fields, Scholze visitou Mochizuki em Kyoto, para discutir a conjectura abc. Após uma semana de conversas, nenhum dos dois conseguira entender o ponto de vista do outro.

Para Scholze “a conjectura abc continua aberta, qualquer um tem a chance de resolvê-la”. Mochizuki contra-ataca, dizendo que as dificuldades de Scholze resultam de erros básicos de raciocínio. A polêmica está instalada.

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