“Ministro, são três departamentos. O de matemática pura pensa de modo abstrato e acha que é um cubo com 13 dimensões. O de estatística está jogando dados com esse cubo. E o de matemática aplicada escreveu um programa para o computador ARRA simular esse processo.”
Com este discurso notável, Adriaan van Wijngaarden, diretor de computação do Matematisch Centrum de Amsterdã, apresentou ao seu ministro da Educação o primeiro computador da Holanda.
Até 1948, cálculos complicados eram feitos por mulheres operando calculadoras de mesa. As “computadoras” eram consideradas mais organizadas e mais confiáveis do que os homens. O advento da computação eletrônica ia privá-las dessa opção profissional.
O ministro apertou um botão e o ARRA começou a gerar dados, mas logo travou. Van Wijngaarden não perdeu o rebolado: “Incrível! O cubo está balançando num dos cantos, sem saber para onde cair. Se V. Ex.ª apertar novamente o botão dará uma ajuda.”
Assim feito, o ARRA retomou o cálculo. Mas foi só o ministro sair, travou de novo e nunca mais funcionou. Quatro anos depois foi substituído.
Apesar do nome, o ARRA II era totalmente distinto, com muitas inovações de hardware e software. Seu principal programador era Edsger Dijskstra, de quem já falei aqui e que faria o doutorado em 1959 sob a orientação de van Wijngaarden. Uma das tarefas do novo computador era calcular a palpitação (vibrações estruturais) dos aviões Fokker —principal causa de quebra das asas das primeiras aeronaves.
Anos depois, Dijkstra fez uma viagem à Austrália, a última parte num Fokker F27. Na chegada, seu anfitrião lamentou tê-lo feito sofrer num avião que balançava tanto. Dijkstra respondeu: "Meu caro, eu senti-me totalmente seguro. Lembre que fui eu que calculei as frequências de vibração das asas!”
Em 1956, entrou em funcionamento o ARMAC. Mais complexo e 50 vezes mais rápido do que o ARRA II, continuava barulhento. Os técnicos tentavam tirar algum proveito, com bom humor: programavam o ARMAC para tocar o hino nacional holandês sempre que havia visitas da família real.
Por essa altura, o Mathematisch Centrum decidiu privatizar o desenvolvimento de computadores, criando a empresa Electrologica. Após lançar vários modelos de sucesso, em 1968 foi vendida à multinacional holandesa Philips, onde formou a base da divisão de computadores. Um exemplo de sucesso de pesquisa e inovação fomentadas pelo poder público no ambiente acadêmico e oportunamente incorporadas à indústria.
Esta coluna é dedicada a Arminda Magalhães, que me fez conhecer a Holanda.
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