D. Isaura, minha mãe, é professora aposentada da educação primária em Portugal. Quando iniciou a carreira, a colocação de professores em escolas públicas era baseada em um concurso anual. Cada candidato disputava com a nota de formatura, mais um bônus por cada ano de serviço. Em desvantagem relativa, os mais jovens ficavam com as escolas menos disputadas, em lugares pequenos e remotos. O povoado na província de Trás-os-Montes onde comecei a escola, informalmente aos 4 anos, está cercado por montanhas que no inverno ficavam nevadas e infestadas de lobos famintos.
O sistema era bem aceito porque cada professor tinha sua nota melhorando com o tempo, até conquistar uma posição permanente. E assim era atendida a obrigação do Estado de oferecer um serviço fundamental – educação – em todas as regiões do país. Essa solução, satisfatória para Portugal, seria provavelmente inviável no Brasil, com sua dimensão continental e estrutura federativa. Mas o problema aqui é o mesmo. E soluções satisfatórias ainda precisam ser encontradas, para a educação, a saúde e outros serviços básicos.
O Programa Mais Médicos ilustra bem o problema. A questão costuma ser formulada em termos de uma dicotomia: “importar” profissionais estrangeiros para que ocupem vagas deixadas pelos nacionais, ou incentivar (com que recursos?) brasileiros para que se desloquem para regiões remotas? São perguntas difíceis, que não cabe tentar responder aqui. Até porque acredito que a verdadeira solução é outra.
No domingo (1), o Fantástico, da TV Globo, foi a Cocal dos Alves (PI) analisar as consequências dos cortes de bolsas do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), especialmente para os medalhistas da OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática). Cada medalhista ganha uma bolsa de R$ 100/mês, por um ano, enquanto está na educação básica, e outra de R$ 400/mês durante a graduação, para aprofundar seus estudos de matemática.
Município de menos de 6 mil habitantes, com um dos 30 piores IDH do Brasil, Cocal é um improvável celeiro de premiados da OBMEP, a quem a Olimpíada passou a oferecer oportunidades de vida e sucesso até então inexistentes. Na visita, os jornalistas descobriram algo que nem nós do IMPA (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) sabíamos: todos os três médicos que atuam em Cocal foram medalhistas da OBMEP e se desenvolveram e custearam seus estudos com essas bolsas modestas!
Formar talentos locais para atuarem profissionalmente em suas cidades, junto de suas famílias, é muito mais barato do que qualquer programa de realocação de profissionais, nacionais ou estrangeiros. E cumpre uma das mais nobres funções sociais do Estado.
Então por que precisamos suplicar que as bolsas do CNPq não sejam descontinuadas?
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