Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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O que germes e parasitas nos dizem sobre a humanidade?

Nossa relação com pragas nos ensina sobre quem somos e como chegamos até aqui

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Agentes infecciosos e parasitários vêm sendo responsáveis por algumas das maiores tragédias da humanidade desde o início dos tempos. Mas a nossa associação com essas pragas também nos ensina muito sobre quem somos e como chegamos até aqui.

O Homo sapiens é o único primata essencialmente desprovido de pelos. Várias teorias buscam explicar por que nos tornamos “macacos nus”, mas ainda não há consenso. A cobertura pilosa constitui vantagem evidente para proteção do corpo, tanto do frio quanto do sol: o que ganhamos em troca? Não sabemos e talvez a resposta seja complexa.

O que, sim, sabemos é que a humanidade precisou compensar a calvície corporal com um avanço tecnológico: a roupa. Quando perdemos os nossos pelos e começamos a nos vestir? Não parece fácil responder a partir da arqueologia, porque as fibras de nossas roupas resistem mal à passagem do tempo. Mas temos uma boa ideia da resposta vinda de uma direção inesperada: a parasitologia.

Chimpanzé procura organismos em cabeça de humano
Chimpanzé e humano em Santuário em Sorocaba, SP - Marisa Cauduro/Folhapress

Todo pai com filhos em idade escolar vive o temor permanente dos surtos de piolhos. O piolho encontra condições ideias para a sua reprodução no nosso couro cabeludo e é responsável pela transmissão de doenças graves. Ele foi vetor da peste negra, que assolou a Europa durante séculos, e a exumação dos corpos de soldados de Napoleão mortos na campanha da Rússia de 1812 mostrou o quanto a proliferação de piolhos contribuiu para a derrota do orgulhoso exército imperial francês.

A genética revela que as espécies de piolhos específicas dos humanos e dos macacos são oriundas de um ancestral comum que teria vivido 5,5 milhões de anos atrás. A diferenciação entre elas teria estado associada à nossa própria separação dos demais ramos dos primatas. Provavelmente, o piolho foi levado para fora da África em momentos diversos, por diferentes espécies de hominídeos que nos precederam.

Acredita-se que o piolho já estava com o Homo erectus quando esse deixou o continente africano, mais de 1 milhão de anos atrás. Aliás, a sua distribuição atual sugere que, ao contrário do que se acreditava, o Homo sapiens pode ter interagido com o Homo erectus antes da extinção desse, 27 mil anos atrás.

Entre os humanos modernos, há dois tipos de piolhos com ciclos de vida bastante distintos. O mais conhecido utiliza exclusivamente as nossas cabeças para a sua reprodução e não sobrevive fora. Já os piolhos do outro tipo podem se dispersar por todo o corpo e se reproduzem nas nossas roupas. O estudo dos seus DNAs assinala que os dois tipos se diferenciaram entre 40 e 70 mil anos atrás.

É natural presumir que isso teria acontecido precisamente quando desenvolvemos o hábito de nos vestirmos, fornecendo ao piolho uma estratégia alternativa para a sua reprodução. Isso é consistente com os primeiros vestígios arqueológicos de roupas, que estão datadas de 40 mil anos atrás.

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