Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcelo Viana
Descrição de chapéu Natal

Não vejo a hora do amigo secreto

Fui trocado por um aplicativo para fazer o sorteio da brincadeira

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O estranho ano de 2020 caminha para o fim e logo será hora das festividades natalinas. Um dos aspectos mais simpáticos da nossa tradição é a brincadeira do amigo secreto: para cada pessoa no grupo – a família ou os colegas de trabalho – é sorteado, de modo confidencial, alguém no grupo a quem essa pessoa dará um presente.

Aqui em casa, quem cuidava do sorteio era eu. O modo mais simples é escrever os nomes em papéis, que depois são dobrados. Cada um escolhe um papel e confere em segredo o nome do seu amigo. Cada resultado possível é chamada uma permutação. O número total de permutações de N pessoas é igual a N! (leia N fatorial), que é N vezes (N-1) vezes … vezes 3 vezes 2 vezes 1.

Mas há um problema nesse procedimento: por muito prazeroso que seja dar presentes a si mesmo, o amigo secreto não pode ser a própria pessoa! Por isso, só são válidas aquelas permutações em que ninguém escolhe o papel com seu próprio nome, que são chamadas desarranjos do grupo.

Urso polar abre caixa de presente com carne dentro, em zoológico da cidade de La Flèche, na França
Urso polar abre caixa de presente com carne dentro, em zoológico da cidade de La Flèche, na França - Jean-Francois Monier/AFP

Quando fui organizar o amigo secreto da família, estava consciente desse problema, mas torci para sair um desarranjo logo na primeira, e senão tentaríamos de novo. Mas depois de quatro tentativas fracassadas a família cansou, e acho que a confiança na minha habilidade matemática caiu muito… Fui trocado por um aplicativo! Foi aí que decidi estudar o assunto direito.

O problema de saber quantos desarranjos existem foi formulado em 1708 pelo francês Pierre Rémond de Montmort (1678–1719) e foi resolvido pelo próprio, e também por seu amigo Nicolas Bernoulli (1687–1759), por volta de 1713. O que eles viram foi que o número total de desarranjos de um grupo com N membros é o número inteiro mais próximo de N fatorial dividido pela constante de Euler e = 2,718281828459045... (Será que os leitores se animam a verificar esse fato? Respostas são bem-vindas pelo e-mail viana.folhasp@gmail.com)

Isso quer dizer que quando fazemos um sorteio simples, como descrevi acima, a probabilidade de dar um desarranjo é de apenas 1/e = 0,3678…, ou seja, pouco mais de 1 vez a cada 3. Quer dizer que eu dei azar, mas não muito. Mas existem algoritmos mais efetivos, que só geram desarranjos: agora que sei disso, não vejo a hora de pegar a minha função na família de volta do aplicativo!

Um problema relacionado, mas mais difícil, é sentar N casais em volta de uma mesa redonda, de tal modo que mulheres e homens se alternem e ninguém fique do lado do seu cônjuge. O modo tradicional de atacar esse problema é sentando primeiro as mulheres, em cadeiras alternadas, e depois os homens, calculando o número de modos de realizar cada etapa.

O número de soluções é conhecido, mas a fórmula é complicada e os raciocínios são sutis. Mas também existem demonstrações modernas que não usam o “primeiro as damas” e são mais fáceis de entender.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.