Marcelo Viana

Diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France.

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Marcelo Viana

A saga dos números imaginários

Designação sugere erroneamente menor legitimidade

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Ao final de seu livro Summa, publicado em 1494 (seis anos antes da chegada dos portugueses ao Brasil!), Luca Pacioli (1445–1517) escreveu: “no estado atual da ciência a solução da equação cúbica é tão impossível quanto a quadratura do círculo”. Mas, no espaço de uma década, Scipione del Ferro (1465–1526) encontrou um método de resolução da cúbica, que foi logo generalizado por Niccolò Tartaglia (1500–1557).

O problema era que, em muitos casos, a resolução envolvia raízes quadradas de números negativos, que não pareciam ter sentido. Em "L’algebra" (A álgebra), publicada em 1572, Rafael Bombelli (1526–1572) explicou como operar com esse novo tipo de números para encontrar todas as soluções de qualquer equação cúbica.

Mas esses números continuaram sendo olhados com desconfiança, porque careciam de interpretação física. Desse período, resta a designação lamentável de “imaginários”, que sugere —erroneamente— que tais números seriam menos legítimos do que os demais. Ela remonta a "La géometrie" (A geometria), publicado em 1637 pelo grande filósofo e matemático francês René Descartes (1596–1650): “Para cada equação podemos imaginar tantas soluções quantas o seu grau sugere, mas em muitos casos a quantidade de soluções é menor do que imaginamos”.

Euler (1707–1783) introduziu o símbolo i para representar a raiz quadrada √-1 do número –1, que figura em sua famosa fórmula e+1=0. Gauss (1777–1855) também se interessou pelos números a+bi, que chamou de “complexos”. Ele começou a apontar para a interpretação física desses números, que seria dada por Wessel e Argand.

Pessoas no escuro em frente a pontos luminosos
Visitantes observam instalação "Luminous mathematics progression" do artista japonês Tatsuo Miyajima - Andrea Merola/France Presse

Em 1797, o norueguês Caspar Wessel (1745–1818) propôs que, assim como os números reais correspondem aos pontos de uma reta, conforme nos ensinou a geometria grega, os números complexos são representados pelos vetores no plano.

Escrito em dinamarquês, o trabalho de Wessel ficou esquecido durante mais de um século, perdendo o crédito para o artigo em francês divulgado em 1806 por Jean-Robert Argand (1768-1822), com uma proposta semelhante, que resolveu definitivamente a questão da legitimidade dos números complexos. Ironicamente, Argand quase perdeu o crédito também, porque esqueceu de escrever seu nome no artigo!

Mas a grande revanche dos números complexos aconteceu já no século 20, quando a mecânica quântica veio mostrar que eles são indispensáveis para descrever o universo físico. Não é todo dia que nós, matemáticos, descobrimos algo e deixamos aos colegas físicos a tarefa de verificar que está certo!

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