Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Marcia Castro
Descrição de chapéu Coronavírus

Sem a contenção do coronavírus, Carnaval 2022 pode se tornar uma péssima lembrança

Medidas de proteção não podem ser abandonadas novamente

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No dia 8 de outubro o Brasil atingiu a marca de 600 mil mortes por COVID-19, 590 dias após o primeiro caso reportado. Em média, foram 1.017 mortes por dia, ou 5 voos e meio da ponte aérea RJ-SP caindo diariamente e matando todos os passageiros. Em abril deste ano a média era de 3.000 óbitos por dia.

Agora são em torno de 500. Esse cenário de declínio é otimista, mas o contexto ainda é devastador. Quinhentos óbitos diários são quase 3 voos da ponte aérea caindo todo dia. Mas isso não gera comoção nacional. Parece que parte da sociedade está em estado de coma, impossibilitada de demonstrar empatia.

Ano passado também vimos um cenário de declínio, com média de 320 óbitos na segunda semana de novembro, o que levou muitas cidades a relaxarem, precipitadamente, várias medidas de controle. A introdução de uma nova variante de maior transmissibilidade, acompanhada por medidas que acabaram por facilitar o espalhamento espacial dessa variante, levaram à catástrofe observada no começo deste ano.

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Foliões se aglomeraram na avenida Pedro Álvares de Cabral, região do parque Ibirapuera, em São Paulo, para participarem de bloco da no bloco da cantora Anitta em março de 2020 - Eduardo Knapp/Folhapress

Há uma diferença entre o cenário de otimismo de 2020 e o de agora. Em 2020, o Brasil não tinha vacina. Agora, quase 71% da população recebeu uma dose, e 48% já completou o esquema de duas doses. Além disso, a dose de reforço em pessoas com 60 anos ou mais já foi iniciada.

Assim sendo, as cidades podem começar a planejar o Carnaval de 2022?

Não sem antes planejar e implementar uma estratégia que permita o efetivo bloqueio da circulação do vírus. Aqui eu ressalto dois pontos importantes.

Primeiro, para se bloquear a circulação do vírus é preciso saber onde o vírus está. Deste modo, só a testagem em massa permite a identificação e contenção do vírus. E para isso, a melhor opção são os testes rápidos de antígeno que tem menor custo, produzem resultados em poucos minutos, podem ser administrados sem supervisão médica, e detectam infecções com alta carga viral.

Acordos e incentivos para o desenvolvimento e produção local em larga escala desses testes deveriam ter sido uma prioridade desde o ano passado. Em países como Inglaterra e Singapura, por exemplo, esses testes estão disponíveis sem custo.

No Brasil, os testes rápidos de antígeno deveriam estar disponíveis a qualquer pessoa através do SUS, e fazer parte do material de trabalho do agente comunitário de saúde. A ação dos agentes comunitários deveria ser orientada a levar informações atualizadas e confiáveis à população, mas também a contribuir para um esforço de busca ativa, especialmente entre as populações mais vulneráveis.

Sem isso, não há contenção, e o eventual surgimento e espalhamento de uma nova variante que escape da proteção das vacinais poderia levar a repetição do cenário desolador do começo de 2021.

Segundo, é preciso cautela na recomendação de uso da máscara. A vacina protege contra casos graves e óbitos, mas a pessoa pode se infectar, não ter sintomas, e transmitir a doença. Portanto, o uso da máscara protege a pessoa e seus contatos.

Por um lado, o governo deveria fazer esforços para facilitar a distribuição de máscaras de boa qualidade (PFF2) para populações vulneráveis e para os que exercem atividades profissionais em ambientes fechados. Por outro lado, a obrigatoriedade do uso de máscaras em ambientes fechados e em situações de aglomeração em espaços abertos deve ser mantida.

Após 19 meses de pandemia, todos anseiam por liberdade, não por mais restrições. Sem a contenção do vírus a liberdade é ilusória, a perda desnecessária de vidas é uma certeza, e o Carnaval de 2022 pode se tornar uma péssima lembrança.

O músico Noel Rosa - Reprodução

Se Noel Rosa fosse vivo, já teríamos uma nova marchinha:

Um pierrô infectado

Que acreditou na cloroquina

No carnaval foi internado

E acabou morrendo, acabou morrendo

A colombina entrou na avenida

Ela sambou, sambou, cheia de luz

Gritando: pierrô cacete

Eu tomei vacina, acredito no SUS

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