Na sexta (12), último dia da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas (COP26), ainda se discutia o conteúdo do relatório final. As negociações terminaram no dia seguinte, com a assinatura do acordo pelos 200 países membros.
Na última quinta (11), o ministro do Meio Ambiente do Brasil, Joaquim Leite, em seu discurso oficial, proclamou que "o futuro verde já começou no Brasil" e prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2028.
Entretanto, no mesmo dia, números divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) revelaram que, em outubro, 877 km2 da Amazônia legal estavam sob alerta de desmatamento, um recorde para o mês desde que dados mensais começaram a ser divulgados em 2015.
O primeiro semestre de 2021 já havia registrado a maior área sob alerta de desmatamento desde 2015. Portanto, a tendência de crescimento persiste.
O ministro declarou, ainda, que "onde existe muita floresta existe muita pobreza".
I-na-cre-di-tá-vel!
Essa frase demonstra desconhecimento do que é a floresta, do que é a pobreza, do que é a riqueza, e do que é a Amazônia. A comitiva do governo brasileiro, que chegou desacreditada na COP26, terminou sua participação de forma vergonhosa.
Dados do MapBiomas mostram que entre 1985 e 2020 as áreas urbanizadas no Brasil dobraram, com um crescimento anual maior do que o crescimento populacional. Cerca de 13% das áreas urbanas em 2020 eram vegetação nativa em 1985, e o cerrado foi o bioma que mais perdeu cobertura vegetal (33%), seguido da Amazônia (24%).
Além disso, cerca de 5% do crescimento urbano foi informal, ou seja, de forma irregular, com carência de serviços públicos, por vezes localizado em áreas com restrição a ocupação devido a riscos ambientais.
A maioria do crescimento informal se deu na Amazônia. No estado do Amazonas, por exemplo, 45% do crescimento urbano entre 1985 e 2020 foi de áreas informais; dentre as capitais, Belém (52%) e Manaus (48%) lideraram.
Esse crescimento informal, desassistido de políticas públicas, cria bolsões de vulnerabilidade e pobreza nas cidades.
No bioma Amazônia, essa pobreza não acontece porque o Brasil tem muita floresta, mas pela perversidade do modelo de desenvolvimento cujo pilar é a destruição vegetal, não a conservação.
Áreas de crescimento urbano informal oferecem condições favoráveis a transmissão de doenças infecciosas e parasitárias. A expansão da dengue na Amazônia acompanha a expansão urbana informal, e a pandemia da Covid mostrou como vulnerabilidades locais —moradia, serviços, acesso e transporte precários— contribuíram para maior exposição ao risco de infecção e morte. "Normalizar" essa vulnerabilidade é uma negligência social e humana, uma ameaça ao significado de democracia.
Discussões sérias sobre o futuro da Amazônia aconteceram na COP26, lideradas pela sociedade civil. Destaco aqui o Relatório do Painel Científico para a Amazônia, coliderado pelo climatologista Carlos Nobre, e escrito por mais de 200 cientistas e pesquisadores, vários de origem indígena.
Em seus 34 capítulos, o relatório é o mais completo trabalho já feito sobre a Amazônia. Discute dinâmicas históricas que levaram ao contexto atual do bioma Amazônia, apresenta tendências e suas consequências para a região, o Brasil e o mundo, e oferece alternativas concretas de políticas e ações que busquem a conservação e o desenvolvimento sustentável.
A janela de oportunidade para garantir um futuro sustentável da Amazônia ainda está aberta. Mas não por muito tempo.
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