Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Marcia Castro
Descrição de chapéu Coronavírus

A vida em risco, mas com liberdade?

Além da expansão da cobertura vacinal, a testagem em massa e a adoção do passaporte da vacina são fundamentais para controlar a circulação do vírus

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Quase onze meses após a primeira pessoa ter sido vacinada contra Covid-19 no Brasil, cerca de 77% da população recebeu uma dose, 65% receberam duas doses ou a dose única, e quase 10% já receberam a dose de reforço.

Esses números ultrapassam a cobertura vacinal de alguns países que iniciaram a vacinação antes do Brasil (como os Estados Unidos).

A rápida expansão da vacinação no Brasil reflete o legado de campanhas de saúde pública desde o começo do século XX, do Programa Nacional de Imunizações, e do SUS (Sistema Único de Saúde).

Vacinação contra a Covid-19 na UBS Humaitá, na Bela Vista, região central da capital paulista
Vacinação contra a Covid-19 na UBS Humaitá, na Bela Vista, região central da capital paulista - Rivaldo Gomes - 13.set.2021/Folhapress

Na contramão desse legado estão as ações, omissões, e o discurso da presidência e do Ministério da Saúde. Por um lado, o Brasil poderia ter uma cobertura vacinal ainda maior não fosse o atraso deliberado na compra de vacinas, conforme demonstrado no relatório final da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). Por outro lado, a mensagem da presidência não era e continua não sendo de suporte a vacinação; o presidente não se vacinou e deixou claro que não o fará.

O surgimento da variante Omicron ressaltou três aspectos importantes.

Primeiro, a importância da vigilância genômica. Ainda que a África do Sul tenha sequenciado menos de 1% das amostras, quando uma área do país registrou um aumento desproporcional de casos de Covid-19 os esforços de sequenciamento foram concentrados nessa área, o que possibilitou identificar a nova variante.

Globalmente, a vigilância genômica é precária e desigual. O Brasil ainda não dispõe de uma rede de vigilância genômica com representatividade estadual. O ITpS (Instituto Todos pela Saúde), fundado em fevereiro deste ano, pretende contribuir nessa área.

Segundo, a geopolítica da pandemia. Há desigualdade na distribuição de equipamentos, insumos e vacinas. A disparidade na cobertura vacinal é crítica (apenas 3,5% em países de baixa renda).

A decisão de alguns países de fechar a fronteira para voos vindo da África do Sul e outros países Africanos após o surgimento da Ômicron não é uma medida de contenção e sim uma discriminação, que penaliza atitudes corretas, responsáveis e transparentes.

Terceiro, a necessidade de uma liderança que administre mudanças durante a pandemia de forma rápida com o objetivo de salvar vidas. Assim como o vírus sofre mutação, se adapta, as respostas também precisam se adaptar. Entretanto, desde o início da vacinação não há adoção de novas medidas de controle da pandemia no Brasil.

A expansão da cobertura vacinal é fundamental, mas só a vacinação não basta. A vacina previne casos graves, hospitalizações e morte, mas não infecções, e a pessoa infectada, ainda que sem sintomas, pode transmitir o vírus.

Portanto, é inconcebível que não se adote medidas de contenção do vírus através de testagem em massa, e da adoção do passaporte da vacina, especialmente com a proximidade do verão e das festas de fim ano.

Neste aspecto, a recente polêmica sobre a adoção do passaporte da vacina deu início a mais um lamentável capítulo do desgoverno no Brasil, que demandou a ação do STF (Supremo Tribunal Federal). O ministro da saúde argumentou que o passaporte poderia discriminar pessoas e citou uma fala do presidente "às vezes é melhor perder a vida do que perder a liberdade".

Contrário às recomendações da Anvisa, o governo rejeitou o passaporte da vacina e decidiu que pessoas que não tenham sido vacinadas podem entrar no Brasil desde que façam quarentena de cinco dias, informem o endereço onde estarão, e façam um teste RT-PCR ao quinto dia. Não há protocolos e estrutura logística organizada para que municípios possam rastrear viajantes por cinco dias. Essa medida parece mais uma ação deliberada para abalar a credibilidade do SUS.

No dia em que essa decisão seria implementada o STF determinou a obrigatoriedade do passaporte.

Nada se sobrepõe ao direito à vida. Se essa fosse a máxima a inspirar as ações do Ministério da Saúde o STF não precisaria intervir.

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