Marcia Castro

Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard.

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Covid-19: já acabou a emergência?

Fim precipitado do estado de emergência dificulta assistência aos mais afetados pela pandemia

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Após uma fala do presidente Jair Bolsonaro (PL) declarando que o status da Covid-19 deveria mudar de pandemia para endemia até o final de março, o Ministro da Saúde declarou, no dia 17 de fevereiro, que o que estava em discussão era, na verdade, o fim do estado de emergência em saúde pública em decorrência da Covid-19 (declarado em 3 de fevereiro de 2020).

O cenário atual da Covid-19 no Brasil é, sem dúvida, diferente do observado no começo de 2021 e 2022. Entretanto, o país ainda registra média móvel de cerca de 350 mortes diárias, a cobertura vacinal é extremamente desigual, antivirais aprovados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ainda não tem uso aprovado, e tanto a testagem como o sequenciamento de amostras ainda são baixos. Além disso, os casos de Covid-19 estão aumentando em países da Europa e da Ásia.

Pedestres circulam com e sem mascara de proteção  em ruas e lojas próximas à região da 25 de Março, no centro de São Paulo
Pedestres circulam com e sem mascara de proteção em ruas e lojas próximas à região da 25 de Março, no centro de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Decretar o fim do estado de emergência traz sérias consequências, uma vez que várias portarias emitidas durante a pandemia estão atreladas a essa classificação. Isso inclui uso de vacinas, simplificação da importação de medicamentos e insumos, direitos trabalhistas especiais, recursos destinados aos estados, Distrito Federal e municípios, dentre outros.

Situação semelhante aconteceu com o fim do estado de calamidade pública em 31 de dezembro de 2020, o que reduziu os recursos disponíveis para políticas de assistência, levando ao fim do auxílio emergencial (posteriormente reiniciado em abril de 2021).

O precipitado fim do estado de emergência tornará mais difícil a implementação de programas emergenciais de assistência aos mais afetados pela pandemia. É necessário acompanhar os efeitos da Covid longa. Segundo a OMS, de 10% a 20% das pessoas apresentam algum tipo de complicação.

Com cerca de 29 milhões de infectados que sobreviveram no Brasil, a Covid longa poderia afetar de 2,9 a 5,8 milhões de pessoas, um número com certeza ainda maior em função da testagem limitada. É necessário detectar e tratar o quanto antes as complicações, assim como investir em pesquisa para que se entendam os fatores que tornam indivíduos mais vulneráveis à Covid longa, e que se busquem tratamentos alternativos. Por enquanto não há um esforço nacional em rastrear e prover assistência aos afetados, e o apoio à pesquisa foi reduzido drasticamente.

Mais de 183 mil crianças abaixo de 18 anos ficaram órfãs de pai, mãe ou ambos devido à Covid-19, o que afeta negativamente o desenvolvimento infantil. Os estados do Nordeste, inspirados por uma iniciativa do Maranhão, implementaram o Programa Nordeste Acolhe, que inclui uma transferência mensal de R$ 500, a cada órfão, até os 18 anos de idade. Porém, ainda não há um programa nacional.

Considerando a forma de transmissão da Covid-19 e reconhecendo que o vírus não será eliminado, ambientes com filtragem e ventilação precárias e transportes coletivos lotados continuam demandando o uso de máscaras, de preferência PFF2. Em vez de flexibilizar o uso de máscaras, como várias cidades vem fazendo, deveria haver distribuição de máscaras aos mais vulneráveis e aos que trabalham em ocupações com risco de contágio. Além disso, a criação emergencial de um selo de qualidade da ventilação e filtragem do ar em ambientes fechados poderia guiar o uso de medidas de proteção (máscara e distanciamento). Um exemplo é o modelo proposto pelo Grupo Consultivo Científico Independente para Emergências do Reino Unido.

A emergência não acabou. O precipitado fim do estado de emergência deixará os mais afetados pela Covid-19 desassistidos, aumentando ainda mais as desigualdades sociais.

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