Marco Aurelio Ruediger

É chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP)

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Marco Aurelio Ruediger
Descrição de chapéu Eleições 2018

Paralisia destrutiva que vivemos desde 2014 não pode se repetir

Eleição de 2018 tem polarização combinada com fragmentação

La Fontaine, na fábula sobre o leão e a raposa, contava que certa vez o leão fez a todos saber que estava doente e logo partiria deste mundo. Chamou os animais à sua caverna para se despedirem. A raposa, tendo ido ao encontro do leão, percebeu que só havia pegadas entrando na caverna, mas nenhuma saindo. A moral é que se vê como se entra, mas como se sai não se vê. Sobreviveu.

É natural que haja grandes divisões na política. Ainda assim, a polarização atual nos leva a uma situação de insegurança com a possibilidade de candidaturas que não apenas sejam antagônicas, mas que sejam também corrosivas à possibilidade de entendimento mínimo entre campos no momento pós-eleitoral. São prisioneiras de suas próprias narrativas nesse sentido, onde o outro não é apenas um adversário a ser superado pelo convencimento e pelas urnas, mas um inimigo a ser batido e, depois, salinizado.

Tal condição repercute nos discursos e engajamentos na eleição pelas redes. Percebe-se a resiliência das campanhas bem organizadas nas redes sociais, quando em conjunção com estruturas narrativas significantes. A questão é que esses significantes atualmente apontam à repercussão de radical dissenso. Esse dissenso é fruto de visões de mundo diferenciadas, mas também, e em especial, de um profundo déficit de confiança na representação e nas instituições. Naturalmente, a confiança e a incerteza se alastram.

Comparemos alguns fatos pivotais dessa campanha e seus respectivos impactos nas redes: a “facada” e as cirurgias de Bolsonaro, que geraram 13.700 links com mais de 26 milhões de interações no Facebook. A definição da candidatura de Haddad, avalizado por Lula, que gerou 2.900 links, com 3,5 milhões de interações, aproximadamente. A afirmação de Ciro de que sairia da política se Bolsonaro vencesse: 1.709 links, com 3 milhões de interações. Síntese: Bolsonaro dispara na frente, dois candidatos de um mesmo campo disputam acirradamente. Já se cria aí um primeiro pelotão.

O caso do PSDB é mais complicado. O posicionamento restrito a um segmento do centro, mas comprometido com referenciais que apontam a fórmulas conhecidas, sem releituras, acentua uma sensação de insuficiência nas redes frente aos problemas atuais. Num cenário crescentemente bipolar, encontra dificuldades em contemplar propostas ambidestras, a fim de ampliar espaços. Mal comparando, uma inglória guerra em duas frentes e que suscita engajamento menor na internet.

Sugere-se que há uma disputa embolada entre diversos candidatos pelo segundo lugar. Afinal, quem iria ao segundo turno disputar com o atual primeiro colocado? Na verdade, não há uma disputa embolada pelo segundo lugar. Não são todos competindo com todos pelo ultimo ticket para o 2º turno. Com polarização combinada com fragmentação, candidatos lutam principalmente pelos seus polos, secundariamente pelo confronto com o seu reverso.

Hegemonias precisam ser estabelecidas ex ante. Talvez haja ainda um parcial deslocamento do espólio do centro, que altere equações. Mas é um grande talvez. Depois, sim, teremos o segundo turno. A tal caverna da fábula.

Seja o eleito de que campo for, o que mais importa agora é o eleitor considerar um mínimo de garantias de que a paralisia destrutiva que vivenciamos desde 2014 não se repetirá. Há o pós-eleição, e a governabilidade do país não pode ser mais afetada a ponto de estrangular nossa economia e desenvolvimento. O déficit de informação nesse sentido é enorme. Deve-se diminuir a tolerância com sofismas e dissimulações, pois há muito em jogo. Sofremos demais nos últimos anos. Sugiro considerar as pegadas antes de entrar na caverna.

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