Marco Aurelio Ruediger

É chefe da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV-DAPP)

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Marco Aurelio Ruediger
Descrição de chapéu Eleições 2018

#2014não

Um debate que deveria ser plural torna-se uma categorização binaria de bem e mal

Bandeiras são penduradas nas janelas de um prédio no largo do Arouche, em 2016 - Raquel Cunha/Folhapress

O ano de 2014 de certa forma ainda não terminou. Nos últimos quatro anos, as cicatrizes da eleição presidencial e seus trágicos desdobramentos não se fecharam; ao contrário, se ampliaram. Talvez, desde a redemocratização e do Plano Real, este seja o momento mais crucial da vida pública do Brasil. Um momento de decisão ímpar, numa eleição absolutamente ímpar.

O ambiente mercurial que nos engolfa, acelerado pelas redes, é reforçado por ambiguidades dos principais contendores, a partir de sinalizações preocupantes no tocante a princípios basilares sobre a democracia, os direitos individuais e a lógica econômica. Não é à toa que economia, além de corrupção e segurança, sejam os temas que dominam a pauta de discussões por nós mensurada. Essa dinâmica privilegia duas narrativas de fundo antagônico, até agora sem as devidas mediações. 

Pela esquerda, a reorganização da vida pública por critérios de justiça social, promovida pela extensão do escopo e de ação do Estado. Pela direita, também uma reorganização, mas focada na eficiência, por critérios de desregulação e diminuição desse mesmo Estado. Na primeira, o Estado opera para promover a busca dessa melhoria. Na segunda, o sujeito tem como garantia a possibilidade dessa busca por si, sem os entraves excessivos do Estado.  

A questão é que os polos se esquivam da possibilidade de calibragens entre essas posições. Pior, as submergem em uma narrativa de esterilização do contraditório. O problema reside aí, na narrativa.
Nas redes, o debate acima é percebido claramente nas expressões de desconfiança e reafirmação de descrédito da política, das instituições e do homem público. A desconfiança radical torna-se assim o novo normal no país, e a política deixa de ser mediadora razoável para a vida do cidadão comum. 

Essa desconfiança, exacerbada na narrativa esterilizante do outro, faz com que apoiadores periféricos a cada polo nele se concentrem temerosos, diminuindo a porosidade à mensagem de outros atores políticos alternativos. Daí a dificuldade da terceira via. 

O discurso radicalizado retroalimenta a polarização, num contínuo perverso ao debate democrático. O problema é que isso nos prende mais a 2014. Há uma grande irresponsabilidade em apostar na polarização extrema. A vitória do pleito pode se tornar uma derrota estratégica no pós-eleição.

Em síntese, um debate que deveria ser plural torna-se uma categorização binária de bem e mal. O que se disputa é quem representa qual categoria. Tem-se a impressão, pelas declarações, de que os atores da ponta querem uma adesão incondicional. No entanto, seria necessária uma sinalização mais firme de contrapartida destes, seja em autocrítica ou na reafirmação da relação democrática e respeitosa com a Constituição, com a eleição e com uso do aparelho estatal. 

O ponto central é que o que torna possível a busca da felicidade é justamente a preservação dos valores democráticos e a liberdade do indivíduo, como Thomas Jefferson tão elegantemente expôs na fundação da nação americana.

A naturalização disso pela sociedade é a essência do sucesso dos Estados Unidos. Deveríamos absorver essa lição.

Convido o leitor a uma reflexão. Devemos nos perguntar se nossas opções no primeiro e segundo turnos têm compromissos que assegurem o diálogo, a democracia e a liberdade, com a maioria e a minoria. Se seu escolhido será capaz de lidar com o contraditório e de ter racionalidade em suas proposições econômicas, sem optar por uma marcha da insensatez, como vemos desde 2014. 

Se a resposta é não, então pense melhor, não se deixe levar a uma armadilha. Afinal, não se trata de torcidas em jogos de campeonato, mas do destino do país, e de todos nós. Bom voto!
 

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