Marcos de Vasconcellos

Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado

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Cartada das 'golden shares' é vazia como polêmica do 'golden shower'

No mercado, o fim do negócio entre Embraer e Boeing pareceu quase esperado

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Questionado por um jornalista sobre o fato de a americana Boeing ter desistido de comprar a parte de aviação civil da Embraer, Bolsonaro respondeu: "Tem golden share. É minha. Eu assino. Se o negócio for desfeito, talvez se recomece uma nova negociação com outra empresa".

Poderia ter sacado o celular para buscar na internet o que significava o termo em inglês. Ou perguntado ao “posto Ipiranga”, o ministro Paulo Guedes, versado no mercado financeiro, que estava ao seu lado no momento da declaração.

Mas preferiu mostrar ou fingir desconhecimento sobre a tal ação preferencial de classe especial.

São papéis que dão à União poderes especificados no estatuto social das empresas. Existem em três delas, listadas em bolsa: Embraer, IRB Brasil e Vale.

Logo da Embraer
Compra da área de aviação civil da Embraer pela Boeing, maior negócio aeroespacial da história brasileira, foi cancelada - REUTERS/Paulo Whitaker

Na gigante da aviação, por exemplo, a União possui uma ação dessas, que dá poder de veto em casos como transferência do controle acionário da empresa e sua mudança de nome. Além disso, cabe à União autorizar ofertas públicas de ações, caso alguém compre mais do que 35% dos papéis da companhia.

E qual é a utilidade disso em casos nos quais a venda havia sido aprovada e houve desistência da outra parte? Nenhuma. Serve como bravata, para passar imagem de poder a quem não entende o que foi dito.

É um discurso vazio como a polêmica gerada quando Bolsonaro usou suas redes sociais para divulgar imagens de um homem urinando na cabeça de outro e, no dia seguinte, perguntou à plateia virtual: "o que é golden shower".

Vazio também é o conjunto de vezes que a União fez uso de seus direitos de veto como detentora das golden shares, em votações nas três empresas. De acordo com informações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nunca.

Contas que não fecham

No mercado, o fim do negócio entre Embraer e Boeing pareceu quase esperado.

No primeiro pregão após a Boeing desistir, alegando que a brasileira não cumpriu as exigências do acordo, as ações ordinárias da Embraer (EMBR3) chegaram a cair 15%. Três dias depois, no entanto, já voltaram a valer até uns centavos a mais do que antes do anúncio da americana.

Na bolsa de Nova York, as ações da Boeing não tiveram qualquer variação relevante no primeiro dia de negociação após o anúncio. Nesta quinta, já abriram o pregão valendo 9% mais do que no início da semana.

Um sinal sobre a falta de interesse dos investidores no negócio poderia ser tirado representação feita ao Cade, pedindo que a operação fosse investigada.

No documento, a Abradin (Associação Brasileira de Investidores) faz as contas: a Boeing pagaria US$ 4,2 bilhões, enquanto a Embraer ficaria obrigada a deixar US$ 1,5 bilhão no caixa da nova empresa, pagaria US$ 1 bilhão em impostos sobre ganho de capital e distribuiria US$ 1,6 bilhão em dividendos extraordinários para seus acionistas. Sobrariam US$ 100 milhões.

A conta deixa ainda de fora os gastos da Embraer para dividir a empresa, separando a parte de aviação civil que seria vendida. O valor investido nessa divisão em 2019 foi de R$ 485 milhões. Na cotação atual, cerca de US$ 90 milhões.

A desconfiança dos investidores ficou também clara quando o preço das ações da Embraer caiu assim que a venda para a americana foi aprovada. Foi em 10 de janeiro de 2019, quando o então recém-empossado Bolsonaro, publicou no Twitter: “Ficou claro que a soberania e os interesses da Nação estão preservados”. Sem menções às golden shares.

Também não houve qualquer lembrança sobre tal poder quando, recentemente, o IRB Brasil foi acusado de irregularidades na contabilidade, de plantar notícias falsas na imprensa, e viu suas ações desabando.

Ao fim, declarações como desta semana só servem para colocar uma pulga atrás da orelha do pequeno investidor, que teme colocar seu dinheiro em empresas cujas operações estão sujeitas a veto de quem age como a criança que ameaça levar a bola embora depois de sofrer um gol.

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