“Prejuízo bilionário.” Se seu coração não acelera ao ler essas duas palavrinhas ao lado do nome das empresas em que você investe, parabéns, você tem os nervos de aço que o mercado financeiro exige.
Mas é difícil quem não arregale os olhos ao ler uma manchete sobre o prejuízo de R$ 13,4 bilhões da Suzano ou o de R$ 5,9 bilhões da JBS no primeiro trimestre deste ano.
A primeira impressão é que as empresas estão quebrando, derretendo em meio à pandemia de coronavírus. Mas, calma, a exportação de carne vai bem, obrigado. De celulose também.
E grandes corretoras como BTG e XP continuam recomendando a compra das ações (JBSS3 e SUZB3), mesmo depois da apresentação dos resultados.
Como isso é possível, mesmo com os “prejuízos bilionários”?
Acontece que o prejuízo delas não é como o nosso. É a diferença entre o mundo da contabilidade e a realidade que nos assola.
Estranho, a princípio, mas dá para explicar rapidinho. Quem compra ou quer comprar os papéis das duas empresas já sabe que elas têm a exportação como carro forte. Justamente nessa força que está a pegadinha do prejuízo.
Empresas globais têm fornecedores internacionais. Assim, compram, e fazem dívidas, em dólar. E o dólar nas nuvens leva essas dívidas com ele.
As dívidas, por sua vez, são computadas como despesas desde já, mesmo que só precisem ser pagas daqui a seis meses, por exemplo.
Então essa dívida que aparece no balanço pela cotação atual do dólar, será paga nos próximos meses, com a cotação do dia do pagamento. E, como as vendas das empresas também são em dólar, quando for a hora de pagar, a companhia terá recebido outros tantos dólares.
Assim, a alta da moeda americana é ruim apenas para o balanço, que computa as dívidas, mesmo que parceladas, como despesas. Se estiverem equilibradas com a previsão de vendas e receitas da empresa, não é nenhum problema.
Veja as empresas listadas na Bolsa com mais dívidas em dólar:
Maior dívida em dólar
Empresa | Divida em bilhões de US$ |
Suzano | 57,6 |
JBS | 15,7 |
Minerva | 9,8 |
CPFL Energia | 9,1 |
Cemig |
8,0 |
Cemig GT | 8,0 |
B3 | 4,0 |
Energisa | 3,7 |
Light | 2,9 |
PetroRio | 2,4 |
Fonte: TradeMap - dados de 31 de março de 2020 |
Maior participação da dívida em dólar na dívida bruta
Empresa | % da dívida bruta em US$ |
General Shopping | 99 |
Light | 98 |
Weg | 93 |
CEE-GT | 92 |
Cemig GT | 85 |
Minerva | 84 |
PetroRio | 78 |
B3 | 76 |
Suzano | 76 |
Alpargatas | 75 |
Fonte: TradeMap - dados de 31 de março de 2020 |
Instrumentos de defesa
Mas o que fez muitos investidores coçarem a cabeça, ao ler o noticiário sobre a Suzano, foram as tais operações de hedge, uma espécie de defesa contra variações do câmbio.
Cerca de R$ 9 bilhões da dívida reportada pela companhia vieram disso.
São operações financeiras com derivativos do dólar. Em resumo, aplicações financeiras com o preço atrelado às variações da moeda americana.
A empresa faz contratos se comprometendo, grosso modo, a comprar ou vender dólar, lá na frente, pelo preço de hoje.
Como sua receita em moeda americana é alta, esse é um jeito de não levar um tombo quando o preço do dólar cai. De certa forma, “trava o preço” em uma margem.
Nesse caso da Suzano, são diversos contratos para venda de dólar, que vencem até em setembro de 2021, com a moeda cotada entre R$ 4,09 e R$ 4,47.
Se o dólar for além disso, o ganho da companhia nas vendas vai aumentar, e o que ela deixar de ganhar com esses contratos de segurança não será um problema. Se o dólar cair abaixo da margem, a empresa vende a moeda pelo preço combinado e embolsa a diferença.
Acontece que esses contratos também entram no balanço, com a cotação atual. Mesmo que a empresa só vá desembolsar a grana quando os contratos vencerem.
Assim, uma dívida de R$ 9 bilhões, que ganha a manchete do noticiário, vira só mais uma anotação para quem está analisando a fundo os papéis da empresa.
O que, no fim das contas, vai dizer se as ações são um bom investimento, são os resultados e previsões sobre a operação. O que a empresa realmente está gerando de valor, no mundo real. E o que o futuro reserva para ela, até onde for possível prever.
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