Não existe empresa inquebrável. Mas há setores que estão sempre na frente da fila na hora de receber um carinho do governo e da mão invisível do mercado.
Desde o início da pandemia de coronavírus, os bancos foram agraciados por pelo menos 15 medidas do governo que buscam afrouxar as cordas que têm sufocado a economia.
Vão desde a liberação de empréstimos específicos para as instituições financeiras, feitos pelo Banco Central, até o aumento das garantias oferecidas pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC), para tornar o setor atraente durante a crise, aponta levantamento feito pela newsletter Brasil Real Oficial.
O setor é naturalmente avesso ao risco. E as instituições cujo nome você se lembra de cabeça só chegaram ao tamanho que têm por conta disso.
Quando a taxa básica de juros (Selic) vai ao chão, a taxa oferecida pelos grandes bancos a seus clientes para, pelo menos, no rodapé.
A diferença entre o que é pagos na captação de recursos pelas instituições financeiras e o que é cobrado dos clientes finais pelo mesmo crédito (spread) aumentou no último ano.
Assim, deixam, sem precisar nada dizer, para a Caixa Econômica Federal conceder os financiamentos com baixo retorno ou alto risco de inadimplência.
Em maio, a Caixa concedeu R$ 2,4 bilhões em crédito para microempresas. Mais do que o dobro do que concedeu no mesmo mês do ano passado. Desde o início da pandemia, passam dos R$ 6,3 bilhões.
Ao mesmo tempo os empresários reclamam que seus bancos estão dificultando o acesso ao dinheiro, pedindo garantias impossíveis durante a recessão econômica que acompanha a evolução da Covid-19.
A cada 100 empresários que buscaram crédito entre abril e maio, 86 ficaram a ver navios, como mostraram o Sebrae e a FGV. Os que não tiveram o dinheiro simplesmente negado, ficaram “aguardando análise”.
Para quem está de olho nas ações dos bancos, a tradução para o fato de eles receberem tantos incentivos e concederem pouco crédito é a estabilidade.
São instituições cujos papéis dificilmente dão grandes saltos, seguindo as tendências do mercado, mas não ditando-as.
Assim, as oscilações de suas ações acabam fazendo o mesmo desenho do Ibovespa, principal indicador da bolsa brasileira, com pequenas variações.
O Itaú Unibanco, por exemplo, cujas ações ordinárias (ITUB3) caíram menos do que o Ibovespa, quando o mercado despencou, também já se recuperou um pouco menos que o índice.
Se o mercado aquece, mais dinheiro circula, mais gente pega empréstimo (e paga). E os bancos ganham, claro.
Aqui, é bom atentar para o fato de o Ibovespa ter subido nos últimos dias, passando dos 90 mil pontos, num crescimento quase 15% em duas semanas, mas a atividade econômica do país ter caído 7% em abril em relação a março. Em resumo quase óbvio, mas necessário como alerta: a retomada do Ibovespa não é uma retomada da economia.
São poucas as surpresas que podem abalar o setor bancário. Projetos que aumentam os impostos para as instituições vão e vêm no Legislativo, mas não têm o poder para tirar a solidez delas.
O que tem causado uma corrida dos bancos por tecnologia e espaço é o open banking, regulamentado pelo Banco Central agora, em maio. Trata-se da obrigação de deixar disponíveis aos clientes os seus próprios dados.
A ideia é que o cliente possa compartilhar seus dados financeiros com outras empresas, permitindo a integração de plataformas, por exemplo, que mostrem todos os seus investimentos em diferentes instituições ou analisem de forma mais certeira a sua capacidade de pagar por um empréstimo.
Muitas fintechs, empresas, normalmente startups, com foco em tecnologia voltada para finanças, estão de olho nesse mercado que se abre com o fim do controle sobre as informações financeiras. Naturalmente, a competitividade deve aumentar.
Assim, os bancos têm sido forçados a acelerar seus investimentos em tecnologia e integrações. Às vezes, com ciúmes do novo mercado.
O presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Júnior, já disse que “não é justo todo o custo ficar conosco [grandes bancos] e o benefício com as fintechs”.
Na mesma entrevista, à revista Veja, Lazari Júnior declarou: “Graças a Deus que, neste período de crise, temos um sistema bancário robusto, com 80% dele nas mãos de cinco grandes bancos, e não nas mãos de 3.000 fintechs”.
As mudanças no setor podem não agradar a todos, mas o país ainda tem mais de 40 milhões de pessoas sem conta em banco.
A tendência é a tecnologia facilitar o acesso delas aos serviços financeiros e, logicamente, aos bancos que estiverem bem posicionados. E o setor sai, como quase sempre, ganhando.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.