Marcos de Vasconcellos

Jornalista, assessor de investimentos e fundador do Monitor do Mercado

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Marcos de Vasconcellos

Ao copiar GameStop, brasileiros montam armadilha e testam CVM

Cabe à instituição investigar se alguém está se beneficiando com movimentações orquestradas

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Você deve ter lido a respeito: investidores americanos se organizaram em um desses fóruns online e começaram a comprar opções de ações da rede de lojas GameStop, para valorizar os papéis. Com isso, quebraram os fundos que apostavam na queda das ações.

Foi quase uma estrutura dos ataques hacker para derrubar um site. Milhares de pessoas negociando as opções de papéis e aumentando, de pouco em pouco, os preços. Até que eles subiram mais de 1.915% só neste mês.

O motivo apontado no fórum era justamente detonar grandes fundos que apostavam na queda das ações, operando vendidos (ou a descoberto). Nessa modalidade, também chamada de short selling, o investidor começa a negociação vendendo papéis que não tem, alugando de outro investidor e se comprometendo a devolver numa data específica. Se o preço cai, ganha-se a diferença entre o momento do aluguel e da devolução. Se sobe, é preciso cobrir o valor.

Fachada da GameStop store em Nova York - Shannon Stapleton/Reuters

Enquanto o limite de perda ao comprar uma ação é de 100% (ou seja, se chegar a zero, você perde o que você investiu), quando se opera vendido, o céu (ou melhor, o inferno) é o limite. O papel pode multiplicar seu valor (e a dívida do investidor) em milhares de vezes.

Nesse caso, no fórum da internet, espalhou-se inclusive uma ideia de valor afetivo da empresa, pois teriam passado bons momentos em suas lojas, comprando videogames e jogos. Já os fundos, só viam uma companhia fadada a acabar, por conta das compras online neste mercado. E o negócio virou uma luta quixotesca entre investidores individuais e grandes fundos.

Pois bem, a estratégia dos fãs funcionou, a princípio. Como os papéis decolaram, fundos que apostavam alto na queda das ações terminaram com dívidas bilionárias e tiveram que parar de apostar na queda.

Muitos alardearam como uma vitória do pequeno investidor sobre os grandes players, como se a desvalorização das ações causada pela pressão das vendas a descoberto fosse algo necessariamente ruim para o mercado.

No dia seguinte, no entanto, quem comprou o papel para participar do movimento (ou do meme) continua com as ações na mão. E nesta quinta (28), o preço caiu quase 45%. Quem entrou na onda vai ter prejuízo se vender agora. E a chance de recuperar o pico de preço é mais do que baixa.

Também haverá prejuízo para quem entrou na alta operando opções, na qual se compra o direito de adquirir as ações em um determinado prazo, pelo preço do dia em que se combinou o negócio. Caso não exerça o direito de compra, perde-se o prêmio, espécie de “sinal” pago adiantado.

Lá e cá

Logo que a notícia do caso GameStop se espalhou, tentaram copiar o modelo aqui no Brasil. Como costuma acontecer com cópias, faltou muita coisa, além da criatividade.

Investidores coordenaram, através de grupos de mensagens, a compra de papéis da resseguradora IRB Brasil. São ações que afundaram nos últimos tempos, em parte por conta da pandemia, em parte pela descoberta de corrupção na empresa e divulgação de mentiras por seus executivos.

Logo do Reddit - Divulgação

Os investidores da GameStop citaram ter uma conexão afetiva com a empresa. E os daqui? Você conhece alguém que tem conexão afetiva com a seguradora do carro? E com uma resseguradora? O apego, na versão brasileira, foi à ação, ou seja, à especulação em si. E à demonstração de força.

Com a operação orquestrada, os papéis IRBR3 subiram 17% só nesta quinta-feira (28), valendo R$ 7,67. Para comparação, os analistas do BTG Pactual avaliam que o preço-alvo da ação IRBR3 é de R$ 6. Os da XP mantêm a análise ainda sob revisão, tantas as incertezas sobre o futuro da empresa.

Quem comprar na alta já pode ver nas ações da GameStop a armadilha que lhe espera. E como saber quando vai acabar a ascensão, já que é um movimento orquestrado?

Os dois episódios, nos EUA e no Brasil, mostram a força do investidor “gente como a gente”, pessoa física, que opera sozinho. Mas também mostram como o mercado pode se descolar da realidade em poucos instantes, por iniciativa de alguns.

Nosso mercado de ações ainda engatinha, principalmente quando comparado ao dos EUA. Mesmo lá, as autoridades estão discutindo o que pode ser feito para evitar que esse tipo de orquestração beneficie quem chegou primeiro e se torne uma armadilha para quem acreditou em um discurso idealista e acabou com o mico na mão.

A definição de manipulação de preços foi dada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários) já em 1976: “Utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda”.

Cabe à instituição investigar se alguém está se beneficiando com tais movimentações orquestradas. E ao investidor, só colocar seu dinheiro em empresas nas quais ele confia, com motivos mais sólidos do que um grupo de mensagens.

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