O ministro da Economia, Paulo Guedes, é um liberal peculiar. Liberal por currículo, como fundador do Instituto Millenium, formado na Escola de Chicago, criador do Banco Pactual (hoje BTG Pactual) e ex-sócio da Bozano Investimentos (atual Crescera Capital). Peculiar porque parece afirmar que cabe ao Estado tungar o dinheiro que deve aos cidadãos.
Nesta quarta-feira (3), em entrevista à Rádio Jovem Pan, Guedes disse enxergar como ameaças à União o que ele classificou como “indústria dos precatórios” e “indústria dos créditos tributários”. O Judiciário, diz o ministro, deveria “dar uma olhada nisso”.
Ele se diz incomodado com o fato de o dinheiro da União usado para pagar precatórios aumentar a cada ano. “Os números eram R$ 15 bilhões, no ano seguinte, R$ 25 bilhões, no ano seguinte, R$ 30 bilhões, agora, R$ 45 bilhões”, afirmou.
Não é a primeira vez que Guedes se insurge contra os precatórios. Em setembro do ano passado, o governo sugeriu usar os valores devidos para custear o programa de transferência de renda Renda Cidadã. Em dezembro, ele disse que a tal indústria dos precatórios “vai acabar conosco”.
O ex-superministro de Bolsonaro, hoje só ministro, sabe bem o que são precatórios e créditos tributários. E sabe que são frutos de impostos cobrados ilegalmente, de erros cometidos pelo Estado, da falta de controle ou do abuso do poder estatal, que comprovadamente penalizaram contribuintes.
O cidadão ou empresa vilipendiado que vai à Justiça reclamar seu direito tem um duro caminho pela frente. Se o caso for julgado a seu favor, depois de todos os recursos cabíveis, tem uma vitória de Pirro: ganha, mas não leva. Seu direito a ser ressarcido vai para uma longa fila de pagamentos.
Se os valores cobrados da União estão aumentando é porque mais pessoas têm seus direitos reconhecidos. Onde estaria a “indústria” criticada por Paulo Guedes? No Judiciário?
Levando em conta que a dívida da União com precatórios é de mais de R$ 170 bilhões, segundo o Conselho Nacional de Justiça, pagamentos de R$ 45 bilhões por ano não parecem pagamentos exagerados.
Reduzir o pagamento dos precatórios é simplesmente embolsar o dinheiro que reconhecidamente pertence aos contribuintes, deixando-o nos cofres da União por mais tempo.
Estaria a indústria criticada, então, no mercado secundário de precatórios e créditos? Como ex-player do mercado financeiro, Paulo Guedes deve conhecer bem as operações de bancos com crédito e os FIDCs, que são os fundos de investimento em direitos creditórios.
Os FIDCs não padronizados compram precatórios e créditos, bem como os bancos, que o fazem através de intermediários. Pagam ao credor com deságio e assumem para si o risco de esperar o pagamento sair.
Ao atacar o pagamento de precatórios, o ministro Guedes cria insegurança em relação aos pagamentos, aumentando o risco para quem aguarda para receber os valores. Com isso, o número de fundos interessados em negociar tais ativos tende a diminuir.
O ambiente de insegurança piora a situação para quem é credor do Estado e afugenta investidores, diminuindo ainda mais o acesso a esse tipo de produto, hoje disponível ainda apenas para quem tem aplicações de mais de R$ 10 milhões.
Sem enxergar luz no fim do túnel, o número de pessoas interessadas em vender seus precatórios tende a aumentar (já que a fila para receber pode ficar ainda maior). Dinheiro na mão, ainda que com deságio, parece mais interessante do que não saber quando vai receber.
Assim, a redução da demanda e o aumento da oferta, como se sabe no mercado, abaixam o preço dos produtos negociados.
Vale lembrar que qualquer impacto nessa “indústria de precatórios e de crédito tributário” não muda em absolutamente nada as contas da União. Os únicos beneficiados, se houver algum, serão poucos tubarões com apetite para comprar os barateados precatórios.
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