Bancos, corretoras e casas de análise correram para recomendar carteiras focadas no pagamento de dividendos e juros sobre capital próprio em 2020. Pudera, em 2019, foram distribuídos R$ 129,1 bilhões aos acionistas de empresas na Bolsa. Um recorde histórico.
Mas a estratégia focada em “dinheiro na mão”, replicada à exaustão em redes sociais, virou do avesso em 2020, como toda a Bolsa. O volume de dividendos pagos caiu 29,3%, segundo levantamento feito pela Economatica, que vende dados de mercado.
Ainda assim, o investidor que olhar, hoje, apenas para o “dividend yield” (DY) —que mostra a relação entre o preço de uma ação e o quanto aquela empresa pagou em dividendos e JCP— pode achar que estamos em um ótimo momento para repetir a dose.
Acontece que, no primeiro trimestre deste ano, o “dividend yeld” das empresas listadas em Bolsa chegou a 2,38, bem perto dos 2,54 de 2019 (o ano glorioso para o pagamento de dividendos).
O cálculo do tal DY, no entanto, leva em conta os dividendos pagos no último ano e o preço da ação há exatamente um ano. E aí mora o perigo!
Você lembra como estava a Bolsa em março de 2020? Isso mesmo! Com os preços no chão, por causa do primeiro impacto da crise do coronavírus no mercado.
Assim, quem olha o indicador fica com a impressão de que os pagamentos foram altos, quando, na verdade, o preço das ações que estavam baixos.
Ao focar sua estratégia unicamente na tão sonhada “renda passiva”, ou seja, ver o dinheiro entrando na conta sem necessariamente fazer algo, o investidor pode deixar passar oportunidades de comprar outras ações, que lhe trariam mais dinheiro. O “dividend yield” não mostra se a empresa está num bom momento.
Veja que entre abril do ano passado e hoje o rendimento do Idiv (índice que reúne ações de bons pagadores de dividendos) ficou mais de dez pontos percentuais abaixo do rendimento do Ibovespa. Enquanto o principal indicador do mercado financeiro brasileiro subiu 47%, o Idiv subiu 35%.
Como já publiquei aqui, pela definição do mercado, o valor pago como dividendos é descontado do preço das ações. Assim, o dinheiro distribuído não é um valor “a mais”.
A lição que fica, ao ver carteiras recomendadas focadas em dividendos rendendo menos do que o Ibovespa ou do que as carteiras tradicionais dos bancos, é a necessidade de entender o que realmente leva você (ou sua corretora) a comprar cada ação.
O sonho de ganhar dinheiro sem nada fazer tem e sempre terá apelo publicitário. Sem a total transparência sobre as perspectivas das empresas que compõem sua carteira, aceitar uma recomendação pode resultar naquela familiar sensação que termos ao descobrir que o hambúrguer que vem para a mesa não é igual ao da foto do cardápio.
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