Temos 19,6 milhões de empresas ativas no país. Descartando as microempresas, as de pequeno porte e os microempreendedores individuais, sobra 1,2 milhão de companhias de todos os tamanhos e finalidades. Não é possível que só 453 delas tenham capacidade e interesse de estar na Bolsa de Valores.
Os números acima, atualizados pelo próprio governo federal e pela B3 (empresa que administra a nossa Bolsa), escancaram o que muito investidor nota na hora de entrar no mercado de renda variável: só se fala das mesmas ações.
Se pegamos um representante de cada empresa na Bolsa brasileira, não dá para encher um grupo de WhatsApp ou um avião do tipo que faz a rota São Paulo-Dubai, o Airbus A380.
E por que isso acontece? Por termos um ambiente de negócios imaturo, ainda baseado em empresas de estrutura muito familiar e pouco profissional? Pela falta de janelas para IPO (período em que é mais interessante para as companhias abrir capital e vender suas ações do que pegar crédito no mercado)? Por causa da volta da taxa de juros de dois dígitos, que tirou os investidores do mercado de renda variável?
A resposta é um sim para cada pergunta acima. Somada a muitos outros fatores. E o problema é que isso torna nosso mercado pouco atraente para o mundo.
Veja que, com menos de 500 empresas, o mercado já atraiu mais de cinco milhões de pessoas. Número interessante, mas é preciso entender que o volume negociado por todos esses CPFs não chegou a 20% dos valores negociados na Bolsa no último ano.
Investidores institucionais, nacionais e internacionais, concentram o verdadeiro volume de negócios. Dá para dizer que são eles que comandam os valores dos ativos. E aumentar o cardápio para oferecer a esses investidores pode aumentar o apetite deles pelo nosso mercado. E queremos mais "tubarões" por essas águas.
Isso porque aumentar o número de players (principalmente os grandes) no nosso mercado de ações serve para torná-lo mais resistente a golpes, falcatruas e malfeitorias. E quem diz isso é a ciência.
O matemático Tiago Pereira da Silva, da Universidade de São Paulo, estuda redes complexas e suas interações. Explicando de forma simples, ele pesquisa como as ações de cada membro de uma rede influenciam toda ela e como as mudanças de condições afetam as interações.
Por tratar-se de matemática, os estudos de Pereira da Silva aplicam-se tanto aos nossos neurônios quanto ao nosso comportamento entre amigos ou ao funcionamento das células do coração. E um belo exemplo de rede complexa, cheia de interações entre seus mais variados membros, é o mercado de ações.
Ele explica que os estudos que relacionam essa área de pesquisa à da economia comportamental apontam que a presença dos influenciadores, ou seja, de players que interagem com muitos outros pontos da rede, é boa para evitar más práticas.
Os experimentos são focados em jogos de cooperação e públicos, ou seja: uns sabem a estratégia usada pelos outros. E o principal exemplo é o jogo em que há na mesa um vaso no qual, a cada rodada, os jogadores devem depositar uma quantia de dinheiro, que será multiplicada por um fator e dividida igualmente entre todos (inclusive entre os que não colaboraram).
A curto prazo, ganha mais quem em nada contribui. Mas a estratégia passa a ser copiada pelos demais, deixando todos à míngua a médio prazo.
Em grupos maiores e com mais influenciadores, é mais rápida a estabilização da colaboração, em situações "ganha-ganha", nas quais todos topam ganhar menos, desde que não percam, elevando o todo.
Em grupos menores e com menos players grandes, é mais fácil que alguns membros do grupo ganhem muito, mas deixem outros em má situação.
Claro que os exemplos não são idênticos ao mundo real. Entre teoria e prática, existe sempre uma esburacada e turbulenta estrada. Mas é interessante ver experimentos apontando como, com transparência e regras claras, ter muitos e grandes players operando é bom para a evolução do mercado, sem que isso seja feito à custa de investidores desavisados.
Em vez de lutar contra os tubarões, o ideal parece ser atrair outros, para nenhum deles se sentir à vontade para acabar com o cardume. Eis aí mais um motivo para nos preocuparmos em termos um mercado atraente e limpo, que chame a atenção de investidores globais.
Esta coluna foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, colunistas refletem sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil.
marcos@monitordomercado.com.br
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