Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa
Descrição de chapéu

A casa caiu

Labirinto da burocracia contribui para tragédias como a queda do Wilton Paes de Almeida

A deterioração da política pública não decorre apenas da falta de dinheiro. 

O labirinto da burocracia sobre o espaço urbano resulta em processos que parecem intermináveis e contribui para tragédias, como a queda do edifício Wilton Paes de Almeida.

A torre foi projetada por Roger Zmekhol, filho de cristãos sírios que fugiram da perseguição em seu país. Ele admirava os arranha-céus envidraçados projetados por Mies van der Rohe, o último diretor da Escola Bauhaus.

A arquitetura de Mies valorizava a luz natural e a simplicidade das formas, ao mesmo tempo que utilizava as tecnologias avançadas. Ele imigrou para Chicago em 1937, fugindo do nazismo, e deixou uma obra notável.

Mies foi recebido com tapete vermelho pela academia americana, ao contrário do que ocorreu com arquitetos que imigraram para o Brasil, como conta Raul Juste Lores em “São Paulo nas Alturas”.

A torre de Zmekhol se destacava pela fachada envidraçada e limpa de interferências, possível por novidades em 1961, como o ar-condicionado central. Difícil imaginar projeto mais adequado para a sede da Cia. Comercial Vidros do Brasil.

No fim dos anos 1970, a torre tornou-se propriedade da União, que deixou de utilizá-la em 2002. Foi o começo da degradação. Ocupada irregularmente, virou moradia de mais de 300 pessoas. Seus elevadores foram roubados e os fossos, utilizados para despejar lixo.

A União tentou vendê-la, mas fracassou. Compreende-se. Recuperar um prédio tombado pode ser um pesadelo.

Os órgãos responsáveis pela aprovação das reformas por vezes impõem obrigações conflitantes. Um pode requerer que dois prédios contíguos tenham fachadas homogêneas; outro, que sejam distintas. Pode-se também pedir um “especialista em prospecção de pintura”.

Muitas vezes, há conflitos entre as exigências para alvarás, licenciamentos e afins, e as normas de segurança, mais restritivas aqui do que em alguns países desenvolvidos. No meio de tudo, a dificuldade do poder público em preservar ou vender seus imóveis.

Ao contrário do que alguns afirmam, não foi a especulação imobiliária que derrubou a torre ou levou à degradação da região. O problema do Centro é o oposto: a fuga de empresas que se cansaram de insegurança, sujeira e dificuldades para restaurar os prédios antigos.

Resultado: imóveis abandonados e cerca de 70 ocupações irregulares. Alguns proprietários têm preferido perder o seu patrimônio a tentar recuperá-lo.

A burocracia imprevisível, com as obrigações descoordenadas dos diversos poderes, recebeu o monumento que lamentamos: muitas vítimas em meio à destruição apoteótica de uma pequena joia da nossa arquitetura.

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