Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

Cúmplices

Incêndio no Museu Nacional foi obra de longo desleixo

Dom Pedro 2º desde jovem tentou parecer velho. O rapaz que se pretendia senhorial tinha uma barba longa que ornava com seus coletes e longas casacas. Pedro 2º parecia avô de si mesmo.

Tornou-se imperador quando seu pai, Pedro 1º, decidiu retornar a Portugal para garantir o trono da filha, Maria da Glória.

O reinado de Pedro 2º foi marcado por conflitos regionais. Manteve o país unificado e a ordem institucional, mas assistiu a sua estagnação econômica e social. O imperador ainda contribuiu, anonimamente, nas controvérsias sobre literatura nos jornais da época. Não são de boa lembrança. 

Morreu exilado, deposto por uma Proclamação da República de folhetim. Passou seus últimos dias em Paris melancólico, com saudades de seu país atrapalhado.

O jovem que nascera velho ao menos reinou com alguma tolerância e realizou o sonho de intelectual de província ao seguir a tradição de seus antepassados de coletar antiguidades, fósseis e presentes de autoridades estrangeiras para o Museu Nacional.

Deixaram-nos um imenso legado, incluindo uma importante coleção de peças do Egito Antigo. Parte desse legado foi destruído pelo incêndio de domingo (2) passado.

As casas velhas da nossa infância resgatam memórias afetuosas. O museu em São Cristóvão e seus sarcófagos foram parte das vidas de muitos cariocas, assim como o modesto Palácio de Petrópolis.

O incêndio foi obra de longo desleixo. Desde os anos 2000 sabe-se da degradação do prédio e do pouco cuidado com a sua notável coleção. Havia, porém, outras prioridades.

A despesa do governo federal com educação cresceu, descontada a inflação, 91% entre 2008 e 2017. A da UFRJ, 21%, no mesmo período, quase toda absorvida por gastos com pessoal (incluindo inativos, 84% da despesa total em 2017). 

Apesar desse aumento, o descuido com o museu tinha razão de ser. Afinal havia muitos alcaides a serem alimentados. O Ministério da Educação contratou mais de 100 mil funcionários desde 2008, em parte para repor servidores que se aposentam bem antes do que nos demais países. (Por isso, a proposta de reforma da Previdência). 

O país de muitas corporações escolheu gastar os recursos da educação contratando gente em demasia, em vez de preservar seu patrimônio.

São muitos os relatos de desatenção da UFRJ aos riscos de tragédia, como no vai e vem do projeto submetido ao BNDES, e na escolha por tentar obter mais de R$ 2 milhões para criar uma rádio FM em vez de pedir recursos para o museu.

Fica ainda a dúvida sobre a responsabilidade da burocracia da universidade no fracasso do auxílio proposto pelo Banco Mundial. As décadas de descaso com o museu tornam intelectuais da UFRJ cúmplices do desastre.

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