Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

O exemplo do general

O que parece importar para Villas Bôas

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Noite. Depois de deitado na cama, não há nada a fazer. Não há como se levantar e passear pela casa ou mesmo mover os braços para ler um livro.

Na imensidão da noite, resta apenas recontar o passado. A doença inviabiliza os músculos, porém não o cérebro. Pode-se pensar, mas não coçar o nariz.

Existem muitas variações da doença. A mais conhecida tem o nome de um jogador de beisebol, Lou Gehrig.

Famoso pela vitalidade, foi apelidado de “cavalo de ferro” e admirado pela sua técnica e tenacidade. Participou de 2.130 jogos consecutivos, façanha que apenas foi batida em 1995, 56 anos depois. Seus muitos recordes tornaram-no celebridade. Apesar disso, despediu-se da vida nomeando uma síndrome devastadora.

Em 1939, aos 35 anos, Gehrig pediu para ficar no banco de reservas. A força nos braços e nas pernas se esvaia. Ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA) e o prognóstico era de morte em três anos.

Em sua despedida no estádio de basebol, Gehrig foi aclamado por uma multidão: “Nas últimas duas semanas, vocês têm lido sobre o golpe do azar que recebi. No entanto, hoje me considero o homem mais sortudo do mundo”.

No discurso, ele agradece às pessoas com quem tivera a sorte de conviver, e elas eram muitas. Gehrig morreu dois anos depois. Ele tinha 37 anos.

Tony Judt escreveu um livro monumental sobre a Segunda Guerra Mundial e a Europa da segunda metade do século 20. São muitos os dados surpreendentes. A Alemanha de Hitler, por exemplo, precisou de menos de 2.000 servidores para administrar a França ocupada. A resistência de verdade ao nazismo ocorreu na Europa do leste.

Há pouco mais de dez anos, Judt descobriu que sofria da mesma doença que afligiu Lou Gehrig. O historiador, devastado pela doença, ignorou a revolta. Preferiu passar suas noites longas resgatando memórias para ditá-las na manhã seguinte.

Seus artigos foram publicados na New York Review of Books. Foi lá que me surpreendi com o perturbador e comovente “Noite”, que veio a ser o primeiro capítulo do seu último livro, “Chalé da Memória”.

Conheci o general Villas Bôas já em meio a sua longa noite. A máscara de oxigênio dificulta-lhe a fala, mas não os argumentos. O homem gentil e curioso queria ouvir sobre a economia e os nossos desafios. Encontrei-o mais tarde em seminários de dia inteiro em que se discutiam temas de política pública, como educação.

Impressionou-me assistir ao ex-comandante do Exército atento aos temas técnicos e querendo conversar com quem pensa diferente. A sua força não está nos braços e nas pernas. Está na compaixão. Está na compaixão. O enfrentamento dos problemas que afligem a maioria, em meio a intrigas bizarras da corte, parece ser o que importa para o general durante a sua longa noite.

Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército
Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército - Pedro Ladeira - 27.fev.18/Folhapress

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