Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

Luther King e o fuso racial

Ao comentar seu atraso em um jantar, King não resistiu à ironia

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Após a Guerra Civil, o Congresso dos EUA aprovou emendas à Constituição para garantir a cidadania dos negros libertos. Não foram muito eficazes.

A política da época resultou em um acordo que permitiu aos estados possuir regras que segregavam os negros. O partido Democrata, por exemplo, os excluía de participar nas primárias eleitorais.
Nem tudo foi descalabro. A lei garantiu o tratamento igualitário, ainda que separado, dos cidadãos, incluindo o acesso à educação. Mais de três dezenas de escolas para "pessoas de cor" foram criadas apenas no século 19. Elas eram responsáveis desde a alfabetização e a formação de professores até a universidade, com ênfase em direito, medicina e engenharia.

No começo do século 20, Atlanta, capital da Geórgia, destacava-se por uma convivência racial relativamente pacifica. Havia, contudo, muito mais negros na extrema pobreza, e o urbanismo da cidade ratificava a segregação.

Essa desigualdade foi enfrentada pela elite negra que surgira graças a poucas décadas de acesso à educação de qualidade. Associações civis ofereciam cursos de cidadania e incentivavam a participação dos negros nas eleições. A cidade tornou-se um dos centros do movimento que resultou no fim da segregação nos EUA.

As conquistas foram obra de muitas lideranças, como Thurgood Marshall. Formado em direito, ganhou célebres ações judiciais contra a discriminação e, em 1967, tornou-se o primeiro juiz negro da Suprema Corte.

Martin Luther King estudou em uma universidade para "pessoas de cor", assim como seu pai e seu avô. O mesmo ocorreu com Toni Morrison, Nobel de Literatura. Kamala Harris, vice-presidente eleita dos EUA, formou-se em uma dessas escolas, agora chamadas historicamente negras, e também na Universidade da Califórnia, onde a segregação fora abolida em 1947.

Em 1964, King recebeu o Prêmio Nobel. A prefeitura de Atlanta apoiou homenageá-lo com um jantar. Poucos brancos da elite se mobilizaram.

Uma exceção foi Paul Austin, presidente da mais conhecida empresa da região: "A Coca-Cola não pode continuar numa cidade que se recusa a prestar homenagem ao ganhador do Nobel da Paz. A Coca-Cola não precisa de Atlanta. Vocês têm que decidir se Atlanta precisa da Coca-Cola".

A elite branca cedeu e compareceu ao jantar. O reverendo e doutor negro, contudo, chegou atrasado. Ele fora retido pela polícia, que se preocupara com a segurança.

Ao comentar o atraso, King não resistiu à ironia: "Não sabia se seria no fuso horário do leste ou do FHPC". "FHPC?", estranhou o prefeito. "Fuso horário das pessoas de cor", explicou King. "Sempre nos toma muito mais tempo chegar aonde estamos indo."

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