Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

O diabo mora nos detalhes

Autonomia do Banco Central tem problemas no Brasil

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O Congresso aprovou a lei de autonomia do Banco Central. Deveria ser uma boa notícia, afinal a evidência indica ser melhor cobrar a autoridade monetária pelo seu resultado, o controle da inflação, do que interferir na sua gestão. Países com leis semelhantes conseguem garantir a estabilidade dos preços com menores taxas de juros.

O problema reside nos detalhes da lei e na tradição dos nossos órgãos de controle. O Ministério Público ou o TCU, por exemplo, podem intimidar os gestores públicos por meio de ações judiciais ou processos administrativos, mesmo que tenham agido dentro de suas alçadas.

A judicialização prejudica o funcionamento do Estado, pois muitos gestores preferem não decidir para evitar o risco de serem processados. Esse tipo de interferência é o que preocupa na lei de autonomia do BC.

Nos EUA, a legislação prevê que o FED deve buscar a estabilidade dos preços e o máximo emprego sustentável, mas a prática confere autonomia para o gestor público exercer o seu mandato.

Esse duplo mandato acaba sendo inócuo, pois, na prática, a boa regra de política monetária considera tanto a inflação esperada quanto a atividade econômica.

Além disso, quando o Congresso americano delega autoridade normativa a uma agência, os tribunais usualmente seguem a chamada “doutrina da deferência”: o juiz não deve aplicar sua interpretação da lei em substituição àquela do regulador.

Por aqui, contudo, corre-se o risco de os órgãos de controle adotarem sua própria interpretação de quais são as medidas que deveriam garantir o pleno emprego, “como manda a lei”.

A nossa tradição tem sido implementar reformas por meio de legislação detalhada, por vezes emendando-se a Constituição. Muda-se a norma para tentar mudar a prática, frequentemente sem sucesso.

O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, posa para fotos na sala do C opom, na sede do BC
O presidente do Banco Central do Brasil, Roberto Campos Neto, posa para fotos na sala do C opom, na sede do BC. - Pedro Ladeira 1º.out.2020/Folhapress

Um exemplo é a lei de licitações (8.666). Com muitas minúcias, gerou enormes custos e não combateu os malfeitos. E ainda abriu caminho para intervenções desacertadas nos investimentos públicos.

Na medida em que exista transparência das intervenções do Estado e avaliação dos resultados, os procedimentos adotados podem ser aperfeiçoados, em um difícil processo de tentativa e erro.
Essa construção institucional, com base na prática, e não na lei, ocorreu no caso do BC no Brasil.

Certamente há o que se aprimorar, como rever suas reuniões fechadas com representantes do mercado. Mas é inegável a melhora na gestão monetária. Não temos mais períodos de inflação elevada.

Na ânsia de aprovar a autonomia do BC, abrimos brecha para velhos vícios. A norma detalhada e a forma de atuação dos órgãos de controle poderão comprometer a boa gestão da política monetária.

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