Os mecanismos utilizados para garantir renda para setores selecionados da economia brasileira são impressionantes. Por meio de favores oficiais, grupos privados preservam sua reserva de mercado, cobrando mais caro de consumidores e de outras empresas.
Em sua coluna nesta Folha, no último dia 15, Hélio Beltrão comentou sobre um deles que parecia ter sido extinto, mas que o Congresso ameaça recriar.
Há décadas, setores da indústria se valiam de um instrumento que contrariava as regras do comércio internacional para restringir a concorrência. O governo impunha licenças não automáticas para importar determinados bens, que só poderiam ocorrer se seus preços estivessem acima de determinado patamar.
O instrumento estimulava a peregrinação a Brasília desses grupos de interesse para calibrar o alcance da proteção oficial. Setores tradicionais compensavam a sua falta de competitividade com a mão discricionária do Estado, que privilegia uns em detrimento dos demais.
Não apenas os consumidores eram prejudicados. O instrumento também tinha efeitos negativos sobre a produção e o emprego, pois era utilizado por setores de máquinas e equipamentos. As empresas que deles necessitavam eram oneradas com preços mais caros, reduzindo sua produtividade.
Esse é um efeito colateral do protecionismo. Os grupos protegidos se beneficiam, enquanto o restante da sociedade arca com o ônus da concessão do privilégio.
A Secretaria de Comércio Exterior acabou com a prática, e por boas razões. Além de prejudicar os compradores, ela era ilegal em razão dos acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário e que nos beneficiam em muitos casos.
Em 1999, os Estados Unidos e a União Europeia abriram consulta na OMC contra a prática brasileira. O Brasil recuou no caso desses países, mas preservou o truque para as importações da Ásia. Os principais beneficiários foram as indústrias têxtil, siderúrgica e de máquinas e equipamentos.
Recentemente, o governo revogou o instrumento na esfera administrativa e tentou proibi-lo de vez, ao incluir um dispositivo na MP 1040. Foi de pouca valia. Como na privatização da Eletrobras, os jabutis surgiram durante a tramitação no Congresso.
Concorrência desleal, com preços abaixo do custo, ocorre no comércio internacional. Mas existem procedimentos transparentes para tratar o problema.
O instrumento que a nova lei propõe convalidar é uma herança do patrimonialismo que tenta preservar seus privilégios. A conta, mais uma vez, será devidamente socializada, além de ferir acordos internacionais. Corremos o risco de não nos tornarmos um pária apenas nos temas do meio ambiente e do respeito às minorias.
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