Marcos Lisboa

Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula)

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Marcos Lisboa

A Presidência enfraquecida

Quem for eleito terá dificuldades em resgatar as atribuições do Executivo

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O governo Lula tratou como inimigos os principais partidos da aliança da social-democracia que apoiaram FHC, enquanto negociou com o "centrão" paroquial para obter apoio no Congresso.

Truman Capote citava uma frase de Santa Teresa D’Avila: "Há mais lágrimas derramadas pelas preces atendidas do que pelas sem resposta". Nos anos 2000, o PT conseguiu o que desejava ao escolher as alianças para governar. Se ganhar uma nova eleição, vai ter que lidar com a arapuca de administrar um país dominado pela política que ajudou a construir.

Durante a Presidência de FHC, a retórica do PT tinha por objetivo denunciar as iniciativas de governo. Não havia diálogo sobre os problemas que o país enfrentava. FHC e sua base de apoio no Congresso eram adversários a ser eliminados.

Em 2003, o PT ganhou a eleição para a Presidência da República, mas não a maioria no Congresso. Os partidos da social-democracia tinham parcela relevante da Câmara dos Deputados e do Senado, assim como o PMDB. O Legislativo também era povoado por partidos pequenos dominados por interesses paroquiais.

Ex-presidente Lula discursa em evento com mulheres de movimentos sociais, em São Paulo - Carla Carniel/Reuters

Existiam visões divergentes no governo Lula sobre como estabelecer alianças no Legislativo. Uma parte defendeu, publicamente, um acordo com o PMDB. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, por sua vez, preferiu negociar a agenda de reformas caso a caso, em geral contando com o apoio de parlamentares da esquerda e da social-democracia, aprovando medidas como o crédito consignado, a lei de falências e novos instrumentos de crédito.

Havia conflitos dentro do governo que chegavam, por vias tortas, à imprensa. Muitos, na contramão do ministério da Fazenda, defendiam o resgate dos tradicionais instrumentos de concessão de subsídios e proteções para setores selecionados, semelhantes aos adotados pelo governo Geisel. A proposta da equipe econômica de focalizar parte dos gastos sociais nos mais pobres, que se tornaria o bolsa família, foi denunciada como "liberal" por membros do governo e intelectuais que o apoiavam.

As políticas adotadas a partir de 2006, sistematizadas por Marcos Mendes, em sua coluna do dia 26 de fevereiro, eram defendidas por boa parte do governo desde 2003. Elas começaram a ser adotadas em maior escala depois da troca da equipe econômica em 2006.

Enquanto isso, o Planalto negociava um outro acordo. A opção foi por uma aliança com pequenos partidos e incluiu a distribuição de cargos-chaves em empresas controladas pelo governo. Muitas tinham uma governança frágil. Seus executivos frequentemente possuíam alçada individual na gestão, sendo pouco escrutinados por comitês ou órgãos de controle.

O objetivo do PT parece ter sido garantir a sua hegemonia sem ter que negociar com os grupos do Congresso interessados em deliberar sobre a agenda de política pública. Marcus Melo e Carlos Pereira documentam como Lula montou uma coalizão de governo excepcionalmente distante da preferência mediana do Legislativo. Mais importante, pouco compartilhou a gestão com seus parceiros. O partido do presidente ocupou 60% dos ministérios mesmo tendo apenas 18% das cadeiras na Câmara, optando por mecanismos heterodoxos de cooptação, como a nomeação de diretores em empresas sob a influência do Planalto.

O escândalo do Mensalão revelou possíveis ilícitos na gestão de algumas dessas empresas. A investigação, contudo, acabou concentrando-se no caso da Visanet, uma empresa privada com participação do Banco Brasil. Enquanto isso, a coalizão promovida pelo PT em troca de cargos em empresas controladas pelo governo continuou a prosperar. O resultado, anos depois, foi o "Petrolão".

Após a crise de 2008, a agenda desenvolvimentista do governo Lula ganhou força. Como acontece com frequência, houve entusiasmo do setor privado que participou da festa. Grandes projetos foram iniciados. Tentou-se transformar a Petrobras em líder mundial do seu setor e reconstruir a indústria naval no Brasil, enquanto o poder público distribuía subsídios ao investimento privado.

Os tradicionais instrumentos do desenvolvimentismo estimulam a economia no curto prazo, mas têm vida curta. Os problemas surgem alguns anos depois e são de longa duração. A maioria dos grandes projetos iniciados no segundo governo Lula fracassou. Muitos não foram concluídos, outros tantos revelaram-se ineficientes.

Depois de 2010, dois governos politicamente incompetentes, Dilma e Bolsonaro, resultaram em um enfraquecimento da Presidência da República. O Congresso, com o fortalecimento do "centrão", aprovou alterações na Constituição garantindo a "impositividade" das emendas parlamentares. No governo Bolsonaro, com a conivência do Planalto, foi recriada a emenda de relator, que, na década de 1990, esteve na origem do escândalo dos "anões do orçamento".

Este ano, cada parlamentar pode gastar livremente mais de R$ 20 milhões, sem ter que negociar uma agenda para o país. Se for aliado da liderança do Congresso, ele pode ter acesso a uma verba bem mais polpuda dos recursos públicos. Tudo somado, os parlamentares têm a sua disposição um valor equivalente a 74,6% do gasto com investimento do governo federal.

A pauta legislativa foi sequestrada por medidas paroquiais. A capitalização da Eletrobras obriga a construção de termoelétricas distantes tanto das regiões produtoras de gás, quanto do mercado onde há carência de oferta. A folga fiscal da PEC dos precatórios viabilizou recursos para a emenda de relator e outros benefícios para grupos de interesse, como a desoneração da folha de pagamentos para alguns setores.

A social-democracia, por sua vez, apequenou-se. Para quem acompanha os bastidores de Brasília, as discussões programáticas entre partidos tornaram-se irrelevantes. Em seu lugar, surgiu uma teia de retalhos ao redor da liderança do Congresso. Parlamentares, da esquerda à direita, incorporaram as práticas do "centrão", negociando nacos da emenda de relator e medidas para atender grupos de pressão.

A próxima eleição será um jogo com cartas marcadas. O Congresso aprovou R$ 4,9 bilhões para o Fundo Eleitoral. Esses recursos serão distribuídos pelas cúpulas partidárias aos candidatos do seu interesse. Os demais terão dificuldade para se fazer ouvir, até porque foi restringido o financiamento privado de campanhas.

O presidente a ser eleito neste ano terá dificuldades em resgatar as atribuições do Executivo. Por que parlamentares abririam mão das prerrogativas que permitem a eles distribuir recursos às suas paróquias? As condições econômicas atuais são bem mais difíceis do que as que existiam em 2003. O mesmo ocorre na política.

Houve uma aliança desperdiçada depois da eleição de 2002. Uns acreditam que o desenvolvimento passa pelos estímulos do poder público ao investimento; outros, que o governo deve priorizar a igualdade de oportunidades e garantir a concorrência no setor privado.

As diferenças não são pequenas. Em ambos os lados, contudo, há quem defenda o Estado de Direito e a necessidade de resgatar a política pública, que foi sequestrada pelo coronelismo. Na atual conjuntura, esses pontos de concordância deveriam ser suficientes para promover o diálogo.

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