Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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O mito do 'pires na mão'

'Mais Brasil, menos Brasília' poderia virar 'Menos despesa, mais eficiência'

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Na coluna anterior, afirmei que existe uma lenda urbana segundo a qual as receitas tributárias são muito concentradas nas mãos da União. Os estados e os municípios ficariam sem recursos para cumprir suas obrigações. Daí a necessidade de "ir a Brasília de pires na mão". 

A hipossuficiência financeira é usada como argumento em causas judiciais contra a União, em projetos de lei para aumentar transferências e para socorros em geral.

Os municípios já institucionalizaram o "ritual do pires na mão", ao criar a Marcha Anual dos Prefeitos a Brasília. Chegam aos milhares, com uma lista de pedidos debaixo do braço.

Os dados não confirmam a tese da centralização. Pelo contrário. A Federação brasileira é uma das que mais descentralizam receitas no mundo. 

De acordo com comparativo internacional feito pela OCDE, com dados de 2013, em países federativos, como o Brasil, a média da participação dos governos subnacionais na arrecadação tributária total é de 49,5%. Nos países da mesma faixa de renda do Brasil (renda média-alta), 30,9%. No Brasil, muito mais alta: 56,4%. 

Em termos de receita como proporção do PIB, nossa forte descentralização também sobressai. Nos países federativos, os governos subnacionais ficam com 17,4% do PIB. Nos de renda média-alta, 13%. No Brasil, 22%.

Lembremos, ainda, que parte significativa da receita da União é, na verdade, do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Esse dinheiro vai diretamente para pagar benefícios previdenciários e não fica disponível para o governo federal. Deduzindo a arrecadação do RGPS, a divisão da receita restante é 36% para a União, e 64%, para estados e municípios. Não há concentração na União.

Um indicador da abundância de receitas para estados e municípios é a sem-cerimônia com que eles abrem mão do poder de tributar: 35% dos municípios brasileiros arrecadam menos de R$ 10 per capita em IPTU. Os estados, ao conceder benefícios fiscais, abrem mão de algo como R$ 60 bilhões por ano em receitas do ICMS, tributo de maior poder arrecadatório do país.

Vale lembrar, ainda, que parte significativa dos serviços estaduais e municipais em saúde e educação é custeada por recursos federais. Em 2018, dos R$ 127 bilhões gastos pelo Ministério da Saúde, nada menos que R$ 78 bilhões (60% do total) foram transferidos a estados e municípios. 

Na educação, do gasto federal total de R$ 143,6 bilhões, 25% foram entregues aos estados e municípios (R$ 36,4 bilhões).

Há muita receita ociosa nas mãos de municípios. Falta capacidade técnica para executar projetos financiados por transferências federais. Atualmente, são R$ 6 bilhões parados nessa situação.

Há quem argumente que o problema não está no nível de receita, e sim no fato de os estados e os municípios terem obrigações de despesa maiores que suas receitas. Mas, nesse caso, a União também está apertada. O governo federal registra seguidos déficits primários, mesmo depois de cortar fortemente investimentos e despesas não obrigatórias. Não há receita sobrando no governo federal. O que há é excesso de despesas nos três níveis de governo.

Fala-se, também, que a União tem que ajudar porque ela tem maior capacidade para se endividar e só ela é capaz de emitir moeda. Usar esse tipo de raciocínio é reconhecer que não há outro caminho para sustentar o crescimento dos gastos que não seja pelo aumento da já elevada dívida, ou pela inflação. 

É evidente que o caminho correto não é esse, e sim adequar as despesas dos três níveis de governo às respectivas receitas. O lema "Mais Brasil, menos Brasília" poderia ser substituído por "Menos despesa, mais eficiência".

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