Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

Me dá um dinheiro aí

Socorro aos estados não vai para o pobre, e sim para o procurador dos R$ 68 mil

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Tentei mudar de assunto. Mas os fatos não deixam. Nas quatro colunas anteriores, falei dos incentivos aos estados para empurrar suas dívidas para a União, em vez de se ajustarem.

Artigo nesta Folha, publicado na terça-feira (10) e assinado por nada menos do que os sete governadores dos estados mais ricos do Brasil, pede a "imediata revisão das dívidas com a União", além de outros benefícios.

Na verdade, a dívida acabou de ser renegociada, em 2016, com redução dos juros, concessão de um período sem pagamento e recálculo retroativo do principal!

Mais ainda, aquela renegociação havia sido desencadeada por uma ação no STF em que os estados pediam que sua dívida fosse calculada com juros simples, contrariando a matemática financeira básica.

O Supremo adiou a decisão (até hoje pendente) e determinou que a União chegasse a um acordo com os estados. Pressionado politicamente, o governo federal precisou dar um belo desconto na dívida.

O STF não atuou, nesse caso, como guardião da Constituição, nem do respeito aos contratos. Agiu mais como um juizado de pequenas causas, escolhendo os estados como a parte a ser protegida.

Muitos governadores estão tentando fazer o ajuste interno. Por exemplo, alguns lutam para que seja superada a liminar do STF que, desde 2000, suspende dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal. Um deles permitiria que, em caso de descontrole fiscal, o Executivo estadual limitasse a despesa dos demais Poderes locais.

A liminar permite que Assembleias, Judiciários, TCEs e Ministérios Públicos sejam riquíssimos. E convivam com Executivos quebrados. Falta gaze no hospital público, mas o banheiro dos tribunais é forrado de granito.

Viralizou nas mídias sociais o áudio do procurador de Justiça de Minas Gerais reclamando do seu "mísero" salário de R$ 24 mil. Posteriormente a imprensa divulgou que, devido a penduricalhos que se tornaram usuais, seu contracheque médio de 2019 foi de R$ 68 mil.

Esse não é um caso isolado. Reflete um padrão de remuneração nos Poderes e órgãos estaduais com autonomia orçamentária. Sua despesa subiu de R$ 46,6 bilhões para R$ 78,4 bilhões entre 2003 e 2018 (tudo em valores de 2018). Um crescimento real de 3,5% ao ano, durante 15 anos seguidos! A cifra está subestimada, pois eles empurram suas despesas com inativos e contribuições patronais para a folha do Executivo.

Vale chamar a atenção para o que ocorre no Rio Grande do Sul, que está quebrado, com deficiência de caixa equivalente a quase 70% da receita anual. O governador enviou à Assembleia uma LDO com reajuste zero para as verbas dos Poderes. O Ministério Público e o TJ obtiveram liminar na Justiça estadual para impugnar a lei. O governador recorreu ao STF.

Mais uma vez, porém, em vez de resolver com base numa leitura razoável do disposto na lei, o Supremo mandou que houvesse negociação entre as partes. Qual a força de um governador para negociar orçamento com Poderes que têm instrumentos para inviabilizar sua gestão?

Imprensados internamente, os governadores, que só têm quatro anos para mostrar serviço, buscam o atalho do socorro da União. Com isso, paradoxalmente, tornam mais difícil a luta com as corporações de seus estados. Sentindo que a bica do dinheiro federal extra pode ser aberta, elas se mobilizam para puxar os recursos para si.

Essa roda da insensatez, que afunda a todos, tem que parar. A União e os estados estão quebrados.
O dinheiro do socorro fiscal aos estados não vai para a saúde ou educação do pobre. Vai para o procurador dos R$ 68 mil. A dívida dos estados ricos vai ser paga pelos pobres.

 

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