Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Atalhos

Queda dos juros vai ajudar no ajuste fiscal, mas não o substitui

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O Valor Econômico de 30/9 publicou artigo de Manoel Pires que afirma que “a fase do desequilíbrio fiscal estrutural parece já ter passado”. Seus cálculos indicam ser possível, mesmo com déficit primário, estabilizar a dívida pública no nível atual.

A origem da boa nova estaria na “sequência de redução de taxas de juros”. Conclui recomendando mudar o foco da política fiscal para expansão, visando estimular o crescimento.

Discordo, como mostro em detalhes em texto no site do Insper.

As conclusões de Pires se baseiam em hipóteses otimistas. O tipo de exercício feito por ele requer o uso de variáveis de equilíbrio de longo prazo. No entanto, não é o que o autor faz. Ele usa uma taxa Selic real entre 0,72% e 0,96%, que reflete tão somente a atual política monetária estimulativa.

O relatório Focus aponta expectativa de Selic real de 0,92% no início de 2020. Tal situação não perdurará.

A maioria dos analistas trabalha com taxa de juros real de equilíbrio próxima de 3% ao ano.

Outra forma de ver o otimismo é comparar a taxa de financiamento do Tesouro adotada por Pires (entre 2,4% e 2,7% ao ano acima do IPCA) com a rentabilidade hoje oferecida pelos títulos do Tesouro de longo prazo, com vencimento em 2050: IPCA mais 3,5% ao ano.

Se aplicado o afrouxamento da política fiscal, recomendado pelo autor, aí mesmo que os juros não convergirão para menos de 1%. Como mostram José Márcio Camargo e co-autores, a queda dos juros no Brasil não é mero reflexo da redução dos juros internacionais.

A redução da taxa de crescimento do gasto primário e do crédito público subsidiado desde 2015 contribuiu de forma relevante para a redução do custo de financiamento da dívida pública.

Outra hipótese de Pires é uma taxa de crescimento do PIB de 2% ao ano. Embora pareça baixa, ela está acima da possibilidade da nossa machucada economia. Em artigo de 2017, o saudoso Regis Bonelli mostra que, para avançar a essa taxa, precisaríamos de um crescimento anual da produtividade total dos fatores (PTF) de 0,66% a.a., além de taxa de investimento de 17,5% do PIB.

Na média de 1990 a 2018, a PTF cresceu apenas 0,35% a.a. Precisaríamos quase dobrar o desempenho. Já a taxa de investimento, hoje abaixo de 16% do PIB, teria que se recuperar sem contar com os anabolizantes fiscais usados entre 2008 e 2016.

Um crescimento de 2% só virá, portanto, com esforço de reforma, na qual se inclui um ajuste fiscal que não apenas estabilize a dívida, mas a reduza como proporção do PIB.

A dívida brasileira está em 80% do PIB. A maior entre os emergentes, cuja média é 50%. Esse alto valor cria incerteza quanto à solvência do governo e contribui para o baixo investimento privado.

Refazendo as contas de Pires, usando uma Selic real entre 2,5% e 3% a.a. e PIB entre 1,5% e 1,8% a.a., chegamos a um superávit primário necessário para estabilizar a dívida entre 1,02% e 1,66% do PIB, enquanto o autor afirma que um déficit de 0,30% do PIB já seria suficiente.

Segundo o Ministério da Economia, estamos com um déficit primário estrutural de 0,7% do PIB. Logo, o ajuste necessário para manter a dívida constante estaria entre 1,72% do PIB (1,02+0,7) e 2,36% do PIB (1,66+0,7). Ou seja, de R$ 122 bilhões a R$ 167 bilhões.

Nada trivial para um orçamento que tem menos de R$ 100 bilhões em despesas passíveis de contenção.

Diminuir a dívida para 70% do PIB em dez anos, algo bastante gradual, elevaria o esforço fiscal necessário para o intervalo entre 2,6% e 3% do PIB.

Nada fácil em um contexto em que, com reforma da Previdência, mas sem controle de outros gastos, as despesas obrigatórias continuarão crescendo acima do PIB.

A queda dos juros vai ajudar no ajuste fiscal. Mas não o substitui. Não há atalhos.

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