Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Bola de cristal

O que pode acontecer se não cuidarmos das contas

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A decisão do TCU de que o teto de gastos do Ministério Público tem que aumentar, para pagar o essencial auxílio-moradia dos procuradores, vai ser estendida ao Judiciário, que também criará um novo Tribunal Regional em Minas Gerais. O presidente da República aprovou, em decreto, que o orçamento das Forças Armadas seja, todo ano, de 2% do PIB.

Como estamos saindo de uma grave pandemia, o Congresso aprovará uma renda básica de R$ 400 para todo brasileiro. A educação agora vai decolar, com mais verba para o Fundeb.

Não haverá dinheiro no Orçamento. Sem problema: o STF vai decidir pela inconstitucionalidade do teto de gastos. Por 6 a 5, aceitará a tese de que ele fere a cláusula pétrea de não retrocesso social: o congelamento de gastos não pode restringir direitos da pessoa humana.

O dinheiro público vai fazer a economia rodar, com investimentos em infraestrutura. Acabarão os perversos cortes na saúde. A dívida dos estados será perdoada, e novas transferências serão criadas: não haverá mais prefeito ou governador de pires na mão. Até as queimadas na Amazônia vão diminuir: afinal, não havia incapacidade ou desídia na política ambiental, era só uma questão de mais dinheiro para pagar a fiscais.

Com déficit maior, o Tesouro Nacional não conseguirá refinanciar sua dívida. Poucos se arriscarão a emprestar ao governo e não receber de volta. Os juros vão subir.

Não tem problema. O Ministério da Economia, sob nova direção, assegura que países que se endividam na sua própria moeda não têm o que temer. O Banco Central levará a taxa Selic a zero, acabando com a festa dos rentistas, e financiará diretamente o Tesouro: é só emitir, como fazem os países desenvolvidos.

O dólar dispara, porque até a classe média está mandando a sua poupança para fora. Empresas que dependem de importação estão quebrando e vão precisar de mais ajuda do BNDES. A inflação subiu, mas está só em 30% ao ano. A gente segura isso congelando o preço da gasolina e da energia.

O novo presidente da República faz um pronunciamento duro contra os especuladores e decreta o controle da saída de divisas. A taxa de câmbio passa a ser tabelada. A indústria tem acesso a dólar mais barato, para dinamizar o crescimento. Ressurge o câmbio paralelo.

Como não está dando muito certo esse negócio de o Banco Central financiar o Tesouro —a inflação já está em 65% ao ano—, cria-se um imposto de 70% sobre o lucro dos bancos: já ganharam demais e precisam dar sua contribuição. O custo do crédito sobe, as famílias e as empresas não conseguem se financiar. Tranquilo: os bancos públicos entram em campo, o Tesouro cobre as perdas, e o Banco Central cobre o Tesouro. Mais inflação.

Apesar de ter dinheiro à vontade, o estratégico submarino nuclear continua por mais 20 anos no estaleiro, por problemas de projeto. As novas estradas e ferrovias não aparecem: está difícil fechar contrato de concessão, com dólar tão imprevisível e esse PIB que não cresce.

A saúde descobre que não foi bom voltar a amarrar o seu gasto à receita pública, porque esta parou de crescer. Na educação, o Fundeb aumentou os salários, mas os estados e os municípios, que quebraram de novo, não pagam os professores.

Os alunos insistem em ficar em último lugar no Pisa. Não tem emprego. A pobreza, a desigualdade e a violência aumentam: precisamos reforçar os programas sociais.

O agronegócio continua segurando as pontas e impedindo o colapso.

A vida continua. O jovem servidor aposentado joga seu futevôlei no Leblon, com o diretor de uma empresa que vive de subsídio público. Depois do jogo, o garoto da favela traz a água de coco, sob a vigilância do segurança armado: o segurança, o menino e o coco são pagos em dólar. Ninguém quer receber em reais.
Pois é, o problema não era o controle dos gastos.​

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