Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Magia fiscal

Ginástica contábil não substitui a realidade econômica

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A expansão fiscal para lidar com a emergência econômica e sanitária vai superar 12% do PIB. É inevitável que, em uma crise súbita, o governo funcione como uma seguradora, cobrindo o sinistro.

Isso não significa que o espaço para fazê-lo seja infinito. O pacote fiscal brasileiro já é muito superior ao da maioria dos demais emergentes, como mostra o FMI.

Os cálculos de trajetória futura da dívida indicam alto risco de que saia de controle. Se isso ocorrer, será elevado o preço a ser pago pelos brasileiros, sob a forma de impostos, inflação e desemprego durante muitos anos.

Já começaram a aparecer ginásticas contábeis para dizer que é possível custear mais despesas de forma indolor. Elas criam ambiente político propício a aumentos adicionais de gastos, que, no fim das contas, vão virar mais dívida pública.

Há quem proponha vender as reservas internacionais. Mas isso não libera recursos para gastar, tampouco diminui a dívida líquida do setor público.

Vendendo reservas, o BC tira dinheiro de circulação, o que faz a taxa de juro de curto prazo subir. Para que ela retorne à meta estabelecida pelo Copom, o BC recoloca o dinheiro em circulação, comprando títulos públicos.

No fim das contas, a dívida líquida do setor público terá ficado a mesma: diminuiu um ativo (reservas internacionais) e um passivo (títulos públicos que o BC tirou de circulação).

A dívida bruta cai. Mas isso não é tão relevante, pois a queda decorre da venda de um ativo de qualidade. Aliás, ao diminuir as reservas, o governo perde importante instrumento para estabilizar a taxa de câmbio nestes tempos turbulentos.

Outra solução mágica seria transferir lucros do Banco Central, decorrentes da valorização das reservas internacionais, para o Tesouro. Essa é uma operação permitida pela lei 13.820/19 em casos emergenciais, quando o Tesouro tem dificuldade para rolar dívidas com vencimento próximo. É importante para resolver um problema de liquidez e evitar que o Tesouro tenha que pagar juros mais altos, como ocorre com alguém que precisa muito de dinheiro a curto prazo.

Mas dizer que isso vai gerar dinheiro para gastar ou diminuir dívida pública são outros quinhentos.

Quando esse dinheiro entrar no caixa do Tesouro, ele só poderá ser usado para resgatar dívida em mercado. Ao fazê-lo, o Tesouro vai colocar mais moeda em circulação. Para evitar que o juro caia abaixo da meta da Selic, o BC venderá títulos, tirando moeda do mercado.

Ao final, terá havido uma queda da dívida do Tesouro e igual aumento na dívida do Banco Central. Não muda o total da dívida bruta ou líquida. Não aparece dinheiro livre para gastar.

Também se fala em desvincular recursos carimbados que estão na conta do Tesouro. Mais uma vez, trata-se de medida importante para aliviar as dificuldades de rolagem da dívida pública, mas que não libera verbas para aumentar gasto nem reduz a dívida líquida ou bruta.

Como se sabe, muitas leis amarram receitas públicas a despesas específicas. Ocorre que, para cumprir meta de resultado primário, no ano em que essas receitas entraram no caixa, os recursos não foram gastos. Foram contabilizadas como receita. Impactaram positivamente o resultado primário.

Se forem gastos agora, os valores precisarão ser registrados como despesa e aumentarão o déficit e a dívida.

Caso o dinheiro seja usado para pagar dívida do Tesouro em mercado, o mecanismo descrito acima se repete: sai dívida do Tesouro, entra dívida do Banco Central.

Crise fiscal recente nos ensinou que ginástica contábil não substitui a realidade econômica. Para gastar mais, a dívida vai subir. Não há dinheiro parado debaixo do colchão. Escolhas duras precisarão ser feitas.

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