Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

Contorcionismo

Soluções de curto prazo trarão a ilusória liberdade de gastar sem precisar fazer escolhas

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O sucesso de uma agenda econômica de governo requer pelo menos três pré-requisitos:

1) um presidente da República que administre internamente os conflitos entre seus subordinados, definindo as prioridades da gestão; 2) articulação política que consiga negociar essas prioridades com o Parlamento e ao mesmo tempo barre a aprovação de medidas contrárias às diretrizes de governo; 3) uma área econômica que tenha propostas prontas e consistentes. As três condições estão em falta no momento.

O presidente alimenta a briga de rua entre ministros e não define prioridades claras. Parece embevecido pelo canto de sereia eleitoral que lhe sopra parte de sua equipe. Paga, com gosto, a conta corporativa que lhe apresentam os militares: mais salários e equipamentos.

Ao mesmo tempo, teme abandonar a credibilidade, que aos poucos se esvai, de uma política econômica com contornos de responsabilidade fiscal e reformas estruturais.

A articulação política, cuja vida já é difícil quando não recebe do presidente orientação clara de prioridades, patina na baixa competência e no interesses próprios. Impede o avanço de projetos como a reforma administrativa, atuando como líder de corporação de servidores. Tem sido atropelada pelo Congresso, que aprovou diversas matérias à sua revelia, como o Fundeb e a expansão do BPC: pelo menos R$ 40 bilhões a mais por ano, sem indicação da fonte de financiamento.

Também deixou passar o aumento das emendas parlamentares obrigatórias, a criação de linha de crédito subsidiada para construção de gasodutos (em conflito com o projeto do novo mercado de gás) e o socorro bilionário à Cemig. Vetos presidenciais e medidas provisórias caem como folhas secas.

O Ministério da Economia tenta avançar com sua pauta nesse campo minado, fazendo concessões para se equilibrar no jogo político. Mas a descoordenação e a falta de prioridades no governo são tantas que o contorcionismo necessário para agradar a todos tende a gerar um conjunto de medidas contraditórias.

Ao mesmo tempo que propôs uma reforma tributária de qualidade, o ministério vai na direção oposta ao propor o típico kit populista: reajuste da tabela do Imposto de Renda (beneficiando os 10% mais ricos) compensado pela criação de CPMF.

Diminui um imposto que incomoda, porque as pessoas percebem quando pagam, e cria outro que se oculta nos preços e no custo do crédito.

De quebra, uma desoneração tributária de eletrodomésticos, ótima para anunciar na televisão: um filme ruim a que assistimos faz poucos anos.

A CPMF aparece, também, como fonte de financiamento da desoneração da folha de pagamento. Duplo prejuízo. Primeiro, será cortado o vínculo entre contribuição e benefício previdenciário, transformando as aposentadorias em um amplo programa assistencial pago por impostos. Segundo, o estrago que a CPMF fará na produtividade e no crescimento da economia comerá os empregos que a desoneração pretende criar.

Assim como a CPMF, as rendas de petróleo da União são apontadas como solução para vários fins: ora aparecem como possível transferência aos estados, ora serão antecipadas para pagar a dívida pública, ora serão a fonte para financiar a transição na reforma tributária. Ou uma coisa ou outra.

A ampliação da política de transferência de renda, pela fusão de programas sociais menos eficientes, está no caminho certo para reduzir pobreza e desigualdade. Mas foi desautorizada pelo presidente, que um dia discursa em apoio ao teto de gastos, no outro se recusa a rever programas sociais anacrônicos.

Um pacote que nasça torto não terá bom desfecho depois de passar por um Congresso descoordenado.

Sem propostas claras e consistentes, com apoio explícito do presidente, prevalecerão as soluções de curto prazo, como a prorrogação do estado de calamidade pública, que trará a ilusória liberdade de gastar sem precisar fazer escolhas.

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