Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

Como financiar o programa social

Em políticas sociais, detalhes são relevantes para o custo e o resultado final

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O presidente da República e seus líderes no Congresso apresentaram uma desastrada proposta: financiar aumento da política de transferência de renda por meio do não pagamento de dívida pública, os precatórios. Anunciou-se um calote com ares de quem respeitava o limite de gastos públicos.

Houve forte reação da sociedade, que já sabe que manipular contabilidade pública pode ter consequências desastrosas, como a crise econômica de 2014-16. Os juros de longo prazo intensificaram o ritmo de alta e a já combalida taxa de câmbio desvalorizou-se mais.

Sinal de que mais gente está tirando seu dinheiro do Brasil e que quem fica vê cenário cada vez pior no médio prazo. Não é só de grande investidor: famílias que consultam o saldo de seus investimentos já veem rendimentos negativos, perda de capital.

A realidade se impôs, mostrando que “propostas fora da caixa” podem ser simplesmente fora da realidade. Esse tranco acionou o instinto de sobrevivência dos políticos e produziu uma reunião de líderes, na qual se decidiu que o novo programa social será financiado por redução e realocação de despesas, sem truques.

O relator da matéria afirma que precisa de R$ 20 bilhões para o Renda Cidadã. Mas ninguém sabe como esse programa será desenhado.

Em políticas sociais os detalhes são extremamente relevantes para a definição do custo e o resultado final.

Por exemplo, se a título de incentivar a educação, propõe-se fazer um depósito de poupança para todo aluno que passar com média acima de 7, o provável resultado é que professores vão temer dar nota baixa para que o aluno não perca o dinheiro. Mas se a mesma poupança tomar por base a permanência do aluno no sistema educacional, e só for paga após concluir o ensino médio, haverá incentivo à perseverança, mesmo que haja reprovação ao longo do caminho.

Um mecanismo de proteção focado em trabalhadores informais pode desestimular o emprego formal. Deduzir do valor do benefício 100% da renda do trabalho penaliza excessivamente quem trabalha.

Investir na qualidade da informação também é essencial: se no início da pandemia tivéssemos um Cadastro Único com registros dos trabalhadores informais, teria sido possível dirigir a ajuda a quem efetivamente perdeu renda. Como o radar não existia, a solução foi dar auxílio a muito mais gente, com custo astronômico.

O Programa de Responsabilidade Social do CDPP dá atenção aos detalhes. E isso se reflete em um potencial de redução da pobreza com baixo custo e alto poder de cobertura dos vulneráveis.

A despesa adicional ao que já se gasta com o Bolsa Família começaria em R$ 14,7 bilhões, chegando a R$ 20,6 bilhões só a partir do terceiro ano. Logo, já começa R$ 5,3 bilhões abaixo daquilo que se pretende para o Renda Cidadã.

Os recursos viriam da fusão do Bolsa Família com o abono salarial e o seguro-defeso, criando uma rede de proteção maior e mais eficaz que a atual.

Haveria um problema de financiamento nos primeiros anos, pois o Abono tem uma defasagem no cronograma de pagamento e seus recursos só estariam disponíveis a partir de meados de 2022. Fontes temporárias de recursos precisariam suprir a lacuna.

A tabela mostra que o Congresso pode prover essas fontes. Se redirecionar temporariamente as emendas de bancada e individuais para o custeio do programa, em montantes decrescentes, a conta fecha.

Não é simples. Requer uma aprovação de PEC e projeto de lei, e um amplo acordo sobre as emendas. Mas não é impossível.

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