Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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O que mudou no cenário fiscal?

Confiar no cenário externo é entregar nosso futuro a uma variável que não controlamos

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A divulgação do PIB do primeiro trimestre e das contas do Tesouro de abril criou otimismo sobre a situação fiscal do país. Previsões de dívida bruta, para o fim do ano, caíram de mais de 90% do PIB para perto de 80%. Há quem considere o problema fiscal resolvido.

O que de fato mudou?

Na divisão da dívida pelo PIB, o denominador (PIB) melhorou e o numerador (dívida) parou de piorar. Quais as causas dessas mudanças e quão sustentáveis elas são?

Como mostrou Cecilia Machado nesta Folha, o principal fator de crescimento do PIB foi a melhoria dos termos de troca (relação dos preços das nossas exportações e importações), que voltaram ao pico histórico de 2011.

Nos beneficiamos da recuperação das economias desenvolvidas. O Brasil estará mais rico enquanto essa situação durar, o que facilitará o ajuste fiscal: precisaremos de esforço menor para derrubar a relação dívida/PIB.

Contudo, os mercados de commodities são voláteis: se o ciclo for curto, a queda dos preços passará a jogar contra. Confiar na melhoria dos termos de troca para resolver o problema fiscal é entregar nosso futuro a uma variável que não controlamos.

Outro fator de crescimento do PIB foi a inflação, que comeu parte do valor da dívida: 25% dos papéis não estão indexados à inflação. A surpresa inflacionária funciona a curto prazo. Mas as expectativas rapidamente se ajustam, e os títulos só são renovados, no vencimento, se os juros subirem. Somente uma inflação crescente é capaz continuar corroendo a dívida, o que não parece bom caminho.

O crescimento real do PIB também ajudou. Mas há dúvidas de que vá persistir ao longo do ano. Crise hídrica e pandemia são interrogações.

No numerador da relação dívida/PIB, há duas forças atuando em direções opostas. Os juros, que se mantiveram baixos ao longo de 2020 e evitaram um crescimento mais acelerado da dívida, agora estão subindo. Em compensação, a valorização do real diminuirá o passivo em dólares, jogando a dívida para baixo. Se não insistirmos em uma política de retorno dos superávits primários, tanto câmbio quanto juros passarão a jogar contra.

Outro fator a frear o crescimento da dívida foi o melhor desempenho das receitas. A arrecadação costuma surpreender quando os termos de troca disparam. Não podemos ignorar, também, o pagamento de tributos adiados em 2020 e a recuperação cíclica da economia.

Ou seja, a receita melhora por fatores temporários ou fora do controle da nossa política econômica. Há, também, fatores negativos, como a decisão do STF sobre o PIS/Cofins, que resultou em perda de receita de, pelo menos, 0,5% do PIB de forma permanente.

Já a trajetória da despesa é mérito da política econômica. Reforma da Previdência, teto de gastos e contenção na despesa de pessoal seguraram as despesas previdenciárias, assistenciais e de pessoal.
Mantida a tendência observada até 2017, hoje elas estariam R$ 63 bilhões mais altas.

Contudo, outras despesas obrigatórias passaram a subir, como as sentenças judiciais, que já comeram R$ 12 bilhões do espaço criado pelas reformas. Fundeb, Lei Kandir, benefícios aos militares e emendas parlamentares turbinadas vão pesar crescentemente nos próximos anos.

O regime fiscal ainda não mudou. É preciso aproveitar os ventos favoráveis para avançar na sua transformação.

Porém, temos um presidente corporativista, refém do Congresso e que caminha para uma eleição polarizada, com aprovação em baixa. Isso indica alta chance de que busque surfar a maré positiva,
relaxando nos gastos e concedendo benesses tributárias.

Já vivemos essa experiência quando, em 2005, acossado pelo mensalão, o governo Lula abriu os cofres para se manter no poder. Tivéssemos aproveitado os ganhos de receita do boom de commodities de 2005-11 para fazer uma consolidação fiscal, não teríamos jogado dinheiro fora em políticas inconsistentes. A recessão de 2014-16 provavelmente não ocorreria e a pandemia nos encontraria em situação menos vulnerável.

Será que vamos repetir a imprevidência?

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