Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Parcelar precatórios não é a solução

Governo federal atua de forma passiva e desarticulada na sua defesa jurídica

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O Ministério da Economia se diz surpreendido por uma despesa recorde de precatórios, o que teria tornado inevitável propor uma PEC para parcelar os débitos de valores mais elevados. Do contrário, afirmam, não seria possível cumprir o teto de gastos, pois as despesas discricionárias seriam excessivamente comprimidas, comprometendo o funcionamento da máquina pública.

Se reajustarmos o valor dos precatórios a serem pagos em 2021 (R$ 55 bilhões) pelo índice de correção do teto de gastos de 2022, chegaremos a R$ 59 bilhões. O pagamento previsto de precatórios para 2022 é de R$ 89 bilhões. Logo, o peso adicional sobre o teto será de R$ 30 bilhões (89 – 59).

Seria possível pagar esse valor se não houvesse, no Orçamento de 2022, emendas de relator (serão pelo menos R$ 20 bilhões) e aumento de R$ 3,7 bilhões para fundo eleitoral, e se a ampliação do Bolsa Família fosse parcialmente financiada por extinção de programas sociais ineficazes.

Bolsonaro e Paulo Guedes durante cerimônia sobre a nova política de combustíveis, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 11.ago.2021/Folhapress

Que fique claro, então, que a opção por adiar pagamento de obrigações judiciais não é um imperativo. É uma escolha de política pública: priorizam-se algumas despesas em detrimento de outras.

O crescimento real da despesa com precatórios vem se acelerando desde 2013. Há muito já deveria estar sob avaliação e tratamento cuidadoso.

A defesa da União é feita de forma fragmentada por várias áreas jurídicas, que, por sua vez, não conversam com a área econômica para organizar uma ação mais consistente. Não há sinais de priorização dos processos de maior risco e que envolvam maiores valores.

O caso da “Lei Kandir” ilustra como seria importante solucionar esses problemas de gestão. Os estados entraram no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a União, demandando pagamento perpétuo de R$ 39 bilhões por ano. O cálculo era sobrestimado e feito a partir de premissas frágeis. A defesa apresentada pela União foi fraca e não questionou as contas apresentadas.

Ainda que tenha entrado tardiamente no processo, a área técnica do então Ministério da Fazenda reviu cálculos e conseguiu baixar a conta para R$ 4 bilhões anuais (quase 90% a menos), a serem pagos somente até 2037 (e não de forma perpétua). Tivesse entrado desde o começo, o custo seria ainda mais baixo, ou zero.

Uma área dedicada a centralizar e coordenar as ações de mitigação dos custos de ações judiciais teria condições de reproduzir esse bom resultado em muitos outros processos. O uso de inteligência artificial para selecionar processos prioritários já é realidade nas grandes corporações e deveria ser copiado pelo governo.

São diversas as razões do crescimento da despesa com precatórios. Cada uma delas precisa ser entendida e tratada pelo Executivo, para desacelerar o crescimento da conta.

Metade das condenações anuais refere-se à Previdência Social. Não falta diagnóstico. Paulo Furquim e Natália Vasconcelos analisaram a questão em detalhes. Há desde decisões do STF que deixam a porta aberta para uma enxurrada de ações até simples atrasos no processo de pagamentos, que levam o beneficiário a reclamar na Justiça.

Há, também, muitos estudos sobre judicialização na saúde e muitos dados sobre as ações de sindicatos de servidores (em 2021, serão R$ 9 bilhões em precatórios relacionados a despesas de pessoal).

Existem razões para acreditar que os R$ 89 bilhões de 2022 não sejam um ponto fora da curva. As próprias autoridades apontam dois fatores com impacto permanente: a substituição do indexador dos débitos judiciais, de TR para IPCA-E, e a aprovação do novo Código de Processo Civil, que acelerou a tramitação dos processos. Isso torna mais urgente a adoção de estratégias preventivas e defensivas.

Parcelar pagamentos não é solução. O simples fato de que despesas judiciais terão um limite anual induzirá maior passividade na defesa da União. Afinal, a conta virá só mais tarde.

Está sendo formado um fundo com receitas de vendas de ativos para quitar os precatórios parcelados. Se esse fundo não arrecadar receitas suficientes, ou se o Congresso mudar a destinação dos recursos, o estoque de precatórios parcelados poderá crescer rapidamente. Isso induzirá novos parcelamentos.

Há o risco de a União entrar na mesma fragilidade fiscal dos estados, que já tiveram seis parcelamentos aprovados por PECs desde a promulgação da Constituição.

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