Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Corrosão da democracia está exposta na votação da PEC dos Precatórios

Não sabemos quem será próximo presidente, mas sabemos os interesses que comandarão o Congresso

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Há alguns anos se discute o enfraquecimento da democracia, no Brasil e no mundo, pela via da censura, da manipulação de regras eleitorais, da violência de Estado ou da fragilização do Judiciário. No Brasil, um canal forte parece estar sendo o uso do orçamento público.

As circunstâncias na qual foi aprovada a chamada PEC dos Precatórios, na noite do dia 3 de novembro, são eloquentes. Tratava-se de abrir espaço no orçamento para gastar mais com: emendas parlamentares, financiamento de campanha, benefícios fiscais para grandes empresas, aumento do orçamento do Judiciário e Legislativo. Serão pelo menos R$ 30 bilhões. "Uma festa danada!", como diria um ministro outrora cioso da responsabilidade fiscal.

O mote político foi o de permitir o aumento da transferência de renda aos mais pobres. Mera desculpa: havia formas mais baratas e eficientes de dar aos miseráveis sem incluir os ricos na festa.

Cleia Viana -14.out.2021/Câmara dos Deputados

Pilotando quase R$ 17 bilhões de emendas de relator do orçamento de 2021, que distribui por critérios próprios e secretos, o presidente da Câmara teve cacife para induzir parlamentares a votar a favor da PEC. O modelo se retroalimenta: as emendas de 2021 são usadas para garantir o espaço para as emendas de 2022.

Essas emendas enfraquecem o parlamento e o debate partidário. Fortalecem individualmente os presidentes da Câmara e do Senado, e os parlamentares que, em vez de discutir temas de interesse nacional, fazem política à base de verbas.

Com recursos para gastar nos seus redutos, somados a um fundo de financiamento de campanha que pode passar dos R$ 5 bilhões, eles têm vantagem significativa em relação aos candidatos sem mandato. A taxa de reeleição tende a se elevar. Mata-se uma fonte essencial do vigor de uma democracia: a renovação da representação.

Partidos que pretendem lançar candidatos à Presidência da República votaram a favor da implosão fiscal: 83% dos deputados do PSD, 71% do PSDB, 63% do PDT, 50% do Podemos. Não sabemos quem será o presidente da República em 2023, mas sabemos que a bancada do seu partido continuará comandada pela força das emendas e do financiamento de campanha.

O PT, acompanhado de seus satélites, foi maciçamente contrário. Não por acreditar nas virtudes da estabilidade fiscal, mas por cálculo eleitoral. Sabemos que, no poder, comandou esquema similar ao das emendas, através do mensalão.

No passado, era escândalo, assim como o foram os casos dos anões do orçamento, dos sanguessuga e do petrolão. Havia consequências: cassação, impeachment. Agora virou normal. Sintoma de democracia corroída.

Não bastasse a força da grana, foi necessário, também, atropelar o Regimento Interno da Câmara, que não permitia a alteração do texto de uma PEC aprovada sem emendas na Comissão Especial. Ocorreram cenas inacreditáveis, de apresentação de emendas a posteriori, para poder ajustar o substitutivo a ser votado. Deputados em missão no exterior foram autorizados a votar.

Estrategicamente se incluiu no acordo político a renovação da desoneração da folha de pagamentos. Como já escrevi antes nesse espaço, uma política que aumenta a margem de lucro das empresas beneficiárias, gera poucos empregos e custa R$ 8 bilhões por ano. Ao beneficiar as empresas de comunicação, talvez ajude a acalmar as críticas da imprensa.

Também importante o aumento do limite de gastos do Judiciário, Ministério Público e TCU. Com mais espaço para salários, quem sabe sejam menos enfáticos no questionamento às inconstitucionalidades e arbitrariedades que se repetem no Parlamento?

O poder do voto comandado por emendas também tenta distorcer as regras eleitorais para enfraquecer o poder de coordenação dos partidos e aumentar a autonomia decisória de cada parlamentar, deixando-os mais livre para atuar sob incentivos financeiros. Foi assim que se buscou, felizmente sem sucesso, a instituição do "distritão" e a abolição da cláusula de barreira e da proibição das coligações em eleições proporcionais. Novas tentativas virão.

Ainda há tênue resistência. Quem sabe ela não se manifesta no segundo turno da PEC dos precatórios?

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