Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

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Marcos Mendes

Em defesa do governo Dilma

Acreditar que Lula fará política econômica consistente é autoengano

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No governo Dilma houve muitos erros de política econômica e entramos em uma das maiores recessões da história. Como nem o PT consegue defender aquela gestão, parece ter escolhido a estratégia de concentrar toda a culpa em Dilma, pintando os dois mandatos de Lula como um sucesso absoluto.

Não foi bem assim. Dilma iniciou seu mandato em janeiro de 2011. As políticas que geraram o desastre já estavam em execução desde 2005. Muitas delas pilotadas pela própria Dilma, em nome de Lula.
Data de 2005 a recusa em se fazer um plano de ajuste fiscal de longo prazo, considerado "rudimentar".

Dali em diante as torneiras do gasto foram abertas. Entre janeiro de 2005 e dezembro de 2010, antes de Dilma tomar posse, a despesa de pessoal do Governo Federal cresceu 48% em termos reais. Os gastos tributários, no mesmo período, pularam de 1,8% para 3,5% do PIB.

O ex-presidente Lula (2003-2010) e sua sucessora no Planalto, Dilma Rousseff (2011-2016)
O ex-presidente Lula (2003-2010) e sua sucessora no Planalto, Dilma Rousseff (2011-2016) - Charles Platiau/Reuters

Também foi em 2005 que se iniciou a trajetória meteórica dos empréstimos subsidiados do BNDES para empresários amigos e nações aliadas: os desembolsos passaram de R$ 47 bilhões para R$ 168 bilhões entre 2005 e 2010.

Iniciou-se em 2007 o afrouxamento, pelo Tesouro Nacional, do limite de endividamento dos estados e municípios. Origem da crise da dívida subnacional em 2014.

A partir de 2008, com o barril do petróleo batendo recordes históricos de preço, decidiu-se interromper as licitações de áreas de exploração, a título de se fazer um novo marco regulatório. Foram cinco anos sem licitação, perda de centenas de bilhões de dólares. O novo marco é pior que o anterior.

Também é de 2008 o estapafúrdio Fundo Soberano, que prometia ser um instrumento para aumentar a rentabilidade das reservas internacionais, suavizar a volatilidade da receita pública e fazer poupança para as próximas gerações. Mas como o governo era deficitário, e não havia dinheiro para colocar no Fundo, tomaram empréstimo a juros altos para aplicar em ativos incertos. Tudo o que o Fundo fez durante sua existência foi comprar ações da Petrobras e do Banco do Brasil na alta e vender na baixa. Depois de perder R$ 7 bilhões, foi fechado em 2019. Não sem a resistência de várias bancadas no Congresso.

Começaram no governo Lula os grandes fracassos de política industrial: Refinaria de Abreu e Lima (2007), Comperj (2008) e Sete Brasil (2010). Foi em 2008 a mudança, sob encomenda, da legislação para que a Oi formasse a fracassada "supertele nacional".

O fechamento da economia também é desse período: o aumento das exigências de conteúdo local na exploração petrolífera iniciou-se em 2005. Começou em 2007 o uso intensivo do antidumping para proteger seguimentos oligopolizados da indústria nacional.

A construção de estádios inúteis foi selada em 2007, ano de escolha do Brasil para sede da Copa, e em 2009, na decisão sobre as olimpíadas do Rio.

Na prática, o governo Lula da carta ao povo brasileiro durou de 2003 a 2005. Daí em diante, foi a agenda tradicional do PT.

Não foi acidente. As políticas implementadas decorrem das seguintes crenças: (i) há insuficiência crônica de demanda e, para crescer, basta o governo gastar mais, que isso estimulará o aparecimento da oferta; (ii) inexiste restrição de poupança, basta crescer que a poupança aparece; (iii) o governo sabe quais setores da economia geram mais crescimento, e deve subsidiá-los e protegê-los; (iv) crescimento se faz estabelecendo toda a cadeia produtiva dentro do país, rejeitando-se a globalização; (v) a corrupção associada às políticas setoriais é um problema menor; (vi) ganhos de produtividade são irrelevantes, devendo-se focar no aumento do investimento.

Como mostra Sebastian Edwards em artigo recente, esse diagnóstico vem produzindo estragos populistas na América Latina pelo menos desde os anos 1950. Geram euforia inicial, mas acabam em tragédia.
Dilma aprofundou essa agenda, cometendo os seus próprios erros, como o desmonte do setor elétrico. Mas o desastre iniciou-se com Lula. O acúmulo de erros estourou no colo de Dilma.

Lula beneficiou-se de uma enxurrada de receita tributária, vinda do boom de commodities, que lhe permitiu torrar dinheiro sem consequências imediatas. Essa fonte secou no mandato Dilma.

Acreditar em uma política diferente em novo governo Lula é querer se enganar. Assim como se enganaram os que acreditaram na lenda do Bolsonaro liberal.

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