Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Mendes

Argumentos ambientais toscos têm justificado transferências para os ricos

Como alguém em sã consciência tem coragem de defender que se gaste dinheiro público para subsidiar consumidores a trocar o seu carro por um zero?

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Desde que o governo abandonou o trabalho de barrar jabutis no Congresso, é impressionante a facilidade com que os lobbies estão conseguindo fazer suas propostas serem aprovadas. Ninguém questiona. Todo mundo engole as justificativas superficiais, sem lastro com a realidade. Virou moda usar o argumento da preservação ambiental para justificar o injustificável.

Na coluna de 8 de abril alertei que o tal "Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País – Renovar", anunciado com o objetivo de trocar caminhões antigos por novos, mediante subsídio público, seria um cavalo de troia para viabilizar, mais adiante, subsídios à troca de carros de passeio.

Dois meses depois, em 8 de junho, o Valor Econômico estampou a manchete "Carro velho polui 23 vezes mais que um novo, diz Anfavea". Na matéria lê-se que esse é "um dos argumentos que a indústria tem levado a vários ministros para convencer o governo a expandir, para automóveis, o plano de renovação da frota, que começou a ser preparado para caminhões".

trânsito de veículos em extensa via expressa, que passa ao lado de um rio
Trânsito na marginal Pinheiros próximo ao Jockey Club, em São Paulo. Veículos automotores respondem por 90% da emissão de monóxido de carbono, hidrocarbonetos e óxidos de nitrogênio. - Adriano Vizoni/Folhapress

Como alguém em sã consciência tem coragem de defender que se gaste dinheiro público para subsidiar consumidores a trocar o seu carro por um zero? Isso tem alguma prioridade em um país empobrecido, onde a fome cresce?

O apelo ambiental da proposta é risível. É evidente que há outras pautas ambientais mais urgentes, como a contenção do desmatamento. Há, também, várias opções para combinar preservação ambiental e redução da pobreza, como o saneamento básico. Em breve esse subsídio à indústria automobilística estará alçado a prioridade no debate público.

Ainda mais ágeis têm sido os usineiros. Em dez dias conseguiram entrar com uma PEC no Congresso, encontrar um parlamentar disposto a assiná-la e vê-la aprovada no Senado por 72 votos a zero. Nenhum voto contra!

Essa PEC 15/2022 altera o artigo 225 da Constituição, que trata dos princípios de preservação ambiental, para fixar um permanente benefício tributário aos biocombustíveis, sob o argumento de que são menos poluentes que os fósseis. Não há um cálculo, um número, uma evidência objetiva para justificar o fato de que toda a população brasileira vai transferir renda para os produtores de biocombustíveis.

Apenas meia dúzia de parágrafos citando o "Acordo de Paris", "metas de emissão", sem qualquer comparação dos custos e benefícios dessa opção de política com os de outros instrumentos de redução de emissões.

Esse mesmo setor conseguiu aprovar, em 2017, o Programa Renovabio. Sob o argumento de que mimetizava um mercado de crédito de carbono, criou-se a obrigação para as distribuidoras de combustíveis de comprar certificados (CBIOS) na proporção de suas vendas de combustíveis fósseis. Os certificados são vendidos pelos produtores de biocombustíveis.

Isso não é mercado de emissões. Em tal mercado, diferentes setores econômicos recebem metas de emissão. A empresa que fizer um esforço, e conseguir emitir menos que sua meta, pode vender o excedente àquela que preferiu emitir mais.

Todos incorrem em custos: a empresa que investiu para reduzir emissões gasta dinheiro com isso. A empresa que teve que comprar mais créditos também gasta com isso. É da análise de custo e benefício de cada empresa que sairá a decisão de reduzir emissões ou comprar o direito de emitir mais.

O mercado funciona de modo a manter as emissões totais dentro do limite permitido pela lei e, ao mesmo tempo, alocar os direitos de emissão às empresas que as valorizam mais, e que pagam por elas.

No Renovabio já se definiu a priori quem vai vender os créditos (os produtores de biocombustíveis) e quem vai comprá-los (as distribuidoras, que repassarão o custo para os consumidores). Não há nenhum mecanismo de mercado arbitrando a reorganização da produção. Os usineiros sempre ganham.

O Renovabio não passa de uma "Bolsa Usineiro", cujo custo compõe o preço final pago na bomba de combustíveis. A despeito de toda mobilização para reduzir custos dos combustíveis, não se vê uma alma questionando tal programa.

Essas coisas não estão sendo aprovadas apenas pelo Centrão. Todos estão votando a favor. Inclusive a "terceira via" e a esquerda, que não se envergonham de aprovar subsídios ao capital. Depois fazem discursos emocionados sobre a escandalosa desigualdade brasileira e a falta de recursos para atender os pobres.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.