Marcos Mendes

Pesquisador associado do Insper, é organizador do livro 'Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Marcos Mendes

Brasil votou para preservar democracia e o governo deve respeitá-la

Para país não ser 'refém de um só homem' há instituições como o BC autônomo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O presidente da República, referindo-se ao presidente do Banco Central, afirmou que "o país não pode ser refém de um único homem (...) esse cidadão, que não foi eleito para nada, acha que tem o poder de decidir as coisas".

É justamente para que o país não fique "refém de um único homem" que existem instituições como o Banco Central autônomo. Se for dada ampla liberdade ao presidente da República para tomar toda e qualquer decisão, ele transformará a sociedade em sua refém.

A estabilidade das democracias exige pesos e contrapesos de poder. Em questões sujeitas à chamada "inconsistência intertemporal", na qual benefícios presentes (juros baixos, por exemplo) podem gerar ganhos políticos ao governante ao custo de grandes perdas futuras para a sociedade (inflação alta, juros altos e baixo crescimento, por muitos anos), as democracias caminharam no sentido de entregar o poder discricionário para técnicos com menores incentivos políticos e mais focados no bem-estar e estabilidade de longo prazo.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central - Adriano Machado - 7.mar.23/Reuters

O Judiciário, o Ministério Público, as agências reguladoras, as Forças Armadas e outras instituições públicas também são (ou deveriam ser) comandadas por técnicos especializados nas respectivas funções, que mantêm distância das urnas. O mesmo se dá com instituições semipúblicas, como os fundos de pensões de empresas estatais.

Entregar ao presidente e demais autoridades eleitas o poder decisório dessas instituições significa instituir a ditadura da maioria. Daí porque há tanta preocupação e crítica quando há indicações políticas para a direção de tais instituições. É sinal de que seus objetivos precípuos e de longo prazo ficarão subordinados aos interesses da maioria do momento.

O presidente da Petrobras afirmou que a empresa tem "uma máquina de proibir coisas" e reclamou que a companhia "tomou alguns caminhos" de forma racional e "apolítica".

Jean Paul Prates, presidente da Petrobras - Callaghan O'Hare/Reuters

E não deveria ser assim? Uma companhia listada em bolsa, que capta recursos privados, precisa tomar decisões racionais e apolíticas. A "máquina de proibir coisas" é, na verdade, um conjunto de regras de governança que visa evitar que meia dúzia de pessoas tome as decisões que quiser, da forma que quiser.

O reforço da governança da Petrobras veio justamente em resposta ao elevado nível de corrupção ali instalado, quando, a título de atingir questionáveis objetivos de políticas públicas, dilapidou-se o patrimônio da companhia.

Mais uma vez estamos diante de mecanismos que protegem a coletividade —os acionistas majoritários (os contribuintes) e os minoritários— de decisões inconsistentes e irresponsáveis, que geram ganhos políticos no curto prazo, mas muitos prejuízos em seguida.

Um diretor do BNDES propôs que a instituição emitisse o seu próprio título público, para deixar de ser "refém" de recursos orçamentários alocados ao Banco pelo Tesouro. Ora, o BNDES é uma entidade 100% estatal, cuja missão é implementar políticas públicas. Dar ao BNDES o poder de emitir título próprio é praticamente criar um Tesouro Nacional paralelo. O BNDES emitiria o quanto quisesse, emprestaria para quem quisesse, sem dar satisfação às autoridades fiscais ou prestar contas ao Congresso.

Estação ferroviária
Estação ferroviária de Taubaté, no interior paulista, cuja restauração terá apoio do BNDES com R$ 4,3 milhões - São Paulo Antiga

O título do BNDES concorrerá diretamente com os do Tesouro, aumentando o custo de financiamento da dívida pública, e com debêntures e certificados privados que hoje já cumprem a função de financiar a infraestrutura e outros setores, sem precisar que o governo entre para fazer isso.

A bem da democracia, o BNDES tem que ser refém da autoridade fiscal. A restrição ao seu "funding" evita dar superpoderes ao Poder Executivo do momento. Assim como a governança da Petrobras deve redobrar a vigilância, agora que a companhia distribuirá menos dividendos (que iriam para o Orçamento da União, de forma transparente) para ter mais recursos a serem alocados por seus dirigentes, sob determinação do governo de plantão, com alta discricionariedade.

Lula foi eleito por pequena margem de votos, garantida por eleitores que temiam que Bolsonaro desmontasse a democracia. Seu governo precisa respeitar as instituições, limites, pesos e contrapesos típicos da democracia.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.