Marcos Nogueira

Jornalista, é autor do blog Cozinha Bruta.

Marcos Nogueira

Fabinho, o menino-bomba do Cambuci

Ser criança nos anos 1970 tinha altas doses de periculosidade

Fabinho morava na minha rua quando ambos tínhamos 8 ou 9 anos. Ele era mestre em fazer pipas. E “cortante”, uma fórmula para roubar os papagaios das outras crianças em pleno voo.

Para o “cortante”, Fabinho triturava lâmpadas fluorescentes —recheadas de mercúrio— e misturava com um montão de coisas numa lata de querosene. Tudo virava uma pasta que ele esfregava, com as mãos nuas, na linha da pipa

Ilustração para a coluna Selva de Pedra, da revista sãopaulo
Frabizio Lenci

O “cortante” não era nem de longe a brincadeira mais perigosa do Fabinho. Ele tinha 20% do corpo queimado porque, aos 5 anos, resolveu incendiar formigas vivas. Espalhou álcool sobre elas e riscou um fósforo, sem a preocupação de remover de lá o combustível restante.

Quando chegava junho, a molecada da Paulo Orozimbo e dos arredores ficava em polvorosa. O bairro se enchia de lojas “pop-up” dos Fogos Caramuru, os únicos que não dão chabu.

Pedíamos dinheiro para comer qualquer coisa e íamos —eu, o Fabinho, o Cézar, o Carioca, o Júnior e o Nenê— comprar bombinhas. A menor custava 50 centavos e era pouco mais que um traque. A de 5 cruzeiros era gorda como uma linguiça toscana.

Às vezes, o vendedor se recusava a vender as bombas maiores. Não estressávamos. Fabinho desmontava várias das miúdas e embrulhava toda a pólvora em uma megabombinha.

Explodíamos os fogos nos bueiros, no cemitério, nas lixeiras. A grande diversão era assustar os passantes. Para tanto, o Fabinho havia inventado uma bomba de efeito retardado.

Ele pegava um cigarro —era fácil para uma criança consegui-los na década de 1970. Arrancava o filtro e acendia uma das pontas. Não fumava, apenas deixava o fumo queimar devagarinho. A outra extremidade era acoplada à cabeça de fósforo que detonava a bombinha.

Deixávamos o explosivo na calçada, atravessávamos a rua e sentávamos, encostados em uma mureta. Cinco minutos depois, bum! Quando tínhamos sorte, assistíamos em deleite ao pedestre saltar 5 metros com o coração na mão. Nunca ninguém se machucou —até porque era raro passar alguém no momento exato do estouro.

Um dia, Fabinho mudou-se sem aviso com a família, para as lonjuras da zona leste. A garotada perdeu o entusiasmo com os fogos. Eu cheguei inteiro à idade adulta —e espero que o Fabinho também tenha chegado.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.