Éramos, os paulistanos, enormes porcalhões nos anos 1970. Duvida? Pesquise na internet a palavra "sujismundo" para conhecer nosso passado encardido.
O hábito de atirar lixo na rua era tão arraigado —não apenas em São Paulo, mas em todo o Brasil— que o governo militar criou uma campanha educativa de exibição maciça na televisão.
Sujismundo era substantivo próprio, nome de um personagem de desenho animado cuja aparência oscilava entre o repulsivo e o digno de piedade. Ele usava terno e gravata, amassados, e tinha moscas voando ao redor da cabeça. Seu animal de estimação era um gambá.
Foram duas temporadas de filminhos de propaganda: em 1972 e em 1977. Sujismundo fez tanto sucesso que se tornou adjetivo e substantivo comum. A palavra, que hoje habita os dicionários, designa indivíduos com hábitos precários de higiene. Os mais velhos a usam até hoje.
Demorou até meados da década seguinte para que a população da cidade aprendesse a jogar o lixo nas lixeiras. Havia a percepção geral de que isso não era necessário, pois existiam trabalhadores (mal) pagos para recolher a sujeira das ruas.
Restos de comida voavam pelas janelas de carros e ônibus. Sacos de salgadinho caíam displicentemente no chão, sem provocar reação alguma. Aquilo era natural, todo mundo fazia assim.
Éramos, as crianças, garimpeiras do lixo.
Em 1980, o governador Paulo Maluf lançou o álbum da “Turma do Paulistinha”, uma tentativa de diminuir a sonegação de impostos. Você trocava notas fiscais por figurinhas do tal Paulistinha, um menino de apurado espírito cívico que visitava obras importantes como a usina de Barra Bonita e a rodovia dos Imigrantes.
Eu e meus amigos percorríamos os mercados da grande Aclimação: Cambuci, Jardim da Glória, Vila Deodoro e Vila Monumento. No chão, encontrávamos dezenas de notas graúdas entre as montanhas de papel descartado. Completamos o álbum sem gastar um centavo nosso.
Uns três anos mais tarde, a Coca-Cola lançou mais uma dentre várias promoções com tampinhas premiadas.
Depois da festa junina da minha escola, a garotada pôs-se a vasculhar a porcariada que alunos e seus pais atiraram ao chão do pátio. A classe inteira foi de graça ao Playcenter —a coisa mais próxima da Disney que São Paulo já teve— com os prêmios de tampinhas jogadas fora.
Aos poucos, começou a pegar mal ser um sujismundo. Menos para os fumantes, que ainda precisam aprender que bituca de cigarro também é lixo.
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