Marcos Troyjo

Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia

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Tecnoplomacia, algo de inovador no reino da Dinamarca

Opondo-se à tendência ocidental, dinamarqueses são favoráveis à globalização e ao avanço tecnológico

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O tempo em que vivemos apresenta duas marcas bastante caraterísticas.

Uma é o risco de desglobalização, com aumento de protecionismo comercial e maiores restrições aos fluxos de investimentos. Outra é o ritmo de inovação tecnológica que fascina —e também assusta.

Essa combinação indissociável —globalização e tecnologia— há um tempo foi vista como a serviço do Ocidente.

Não mais. Hoje os principais críticos desses vetores estão nos EUA e na Europa, onde nacionalismo e ludismo encontram-se aflorados.

Funcionário opera robô em demonstração sobre capacidades de reconhecimento durante conferência em Xangai, na China
Funcionário opera robô em demonstração sobre capacidades de reconhecimento durante conferência em Xangai, na China - Philippe Lopez/AFP

Não há respostas prontas ou perfeitas para aproveitar os benefícios da globalização e precaver-se de suas implicações mais desestruturantes.

Tampouco um modelo de aplicação universal de políticas públicas para gozar de todas as possibilidades abertas com a dinâmica tecnológica e dela evitar os efeitos fragmentários.

Nesse mar de incertezas, contudo, há países que têm conseguido minimizar perdas e exponenciar ganhos.

Indo contra a maré tecnologicamente retrógrada e antiglobalização, desponta um exemplo brilhante: a Dinamarca.

Pesquisas mostram que o dinamarquês, ao contrário de outras nacionalidades do Ocidente, hoje é mais favorável do que nunca à globalização e ao avanço tecnológico —mesmo em seus aspectos mais transformadores de saberes e profissões.

Liberalismo comercial e progressismo tecnológico explicam-se também pela história. Os dinamarqueses descendem dos vikings. Estes, sempre grandes navegadores, durante um período saquearam e guerrearam.

Descobriram depois de algum tempo que comprar e vender era melhor. Há mil anos os dinamarqueses formam uma nação-comerciante.

Tal ênfase no comércio já acrescenta um traço de resiliência fundamental à adaptação criativa —tão importante para a travessia de diferentes ciclos econômicos. A riqueza não vem de recursos naturais, mas da destreza profissional, da capacidade intelectual e da abertura para comprar do mundo e a ele vender.

Hoje, metade das pessoas empregadas no setor privado na Dinamarca trabalham direta ou indiretamente com atividade exportadora. Isso tem pouco que ver com a comparativamente pequena população dinamarquesa.

China e Alemanha, respectivamente países mais populosos do mundo e da Europa Ocidental, são grandes nações-comerciantes e tem enormes fatias de seus produtos internos brutos (PIB) relacionadas ao comércio exterior.

Como a maioria dos ocidentais, há 30 anos a Dinamarca experimenta um forte processo de desindustrialização, com atividade manufatureira migrando em direção a países de menor custo salarial.

Neste alvorecer da Quarta Revolução Industrial (4RI), o estoque total de postos de trabalho industrial também diminui como sinal do avanço da robótica e da automação.

O fato é que o país decidiu abrir mão de competir internacionalmente pelo critério de salários baixos.

Preferiu concentrar esforços na capacitação de talentos para o setor de serviços, design, marketing, pesquisa e desenvolvimento ou planejamento da produção.

Empresas e governo se deram as mãos para incrementar as habilidades da força de trabalho. Ao contrário do quadro socialista-distributivista que se pinta dos países nórdicos, os dinamarqueses estão menos preocupados com desigualdade de renda e mais focados em diminuir a desigualdade de aptidões (em inglês, “skills”).

A propósito, já argumentei nesta coluna que “reskilling” —ato de reinventar empresas e talentos profissionais—  é o conceito mais importante da 4RI.

Nos postulados sociais-democratas, o remédio contra o deslocamento ou a eliminação de postos de trabalho resultantes de globalização e da tecnologia tem tradicionalmente encontrado forma no seguro-desemprego.

Hoje, na Dinamarca, o desemprego suscita a pergunta: suas habilidades profissionais estão atualizadas para que você possa “evoluir” de emprego? Parece óbvio que, no mundo contemporâneo, “estabilidade” no emprego é algo incompatível com evolução econômico-tecnológica.

Atualmente, uma ocupação de qualidade é menos algo garantido por constituições, vontade política ou pactos intocáveis entre sindicatos trabalhistas ou agremiações empresariais.

Uma atividade profissional sustentável e bem remunerada é aquela que coexiste com o “LLL” (sigla em inglês para “life-long learning”, treinamento e aprendizado que estende por toda a vida).

Hoje, os ditames da globalização e da tecnologia —mas também a capacidade de recapacitar e redirecionar talentos— fazem com que 25% dos postos de trabalho na Dinamarca sejam rotativos a cada ano.

Tudo isso é vertiginoso e potencialmente fragmentário? Sim.

Qual a resposta dos dinamarqueses? Formaram um “Conselho de Disrupção”, que se reúne duas vezes por mês e congrega elite governamental, empresas privadas e academia.

À imagem dos conselhos estratégicos tão comuns em companhias de tecnologia, modulam-se assim, de forma ágil e cooperada, as políticas públicas que continuarão a promover a adaptação competitiva do país.

Um dos principais símbolos da pro atividade dinamarquesa perante esses tempos desafiadores é a criação do cargo de “embaixador tecnológico da Dinamarca”.

O gabinete do “tecno-embaixador” tem amplas funções e opera fisicamente em três localidades: Vale do Silício, Copenhague e Pequim. A razão de tais presenças geográficas é óbvia.

A beleza disso tudo é que a Dinamarca, de forma pioneira, entendeu que relações internacionais há muito deixaram de ser tão somente fluxos “entre nações”.

Dos cerca de 200 países que hoje existem, apenas 18 têm PIB anual superior ao valor de mercado da Apple. A Fundação Bill & Melinda Gates apresenta dotação de recursos superior ao orçamento regular da ONU.

As universidades Harvard, Yale, Stanford, Princeton e MIT juntas investem mais em pesquisa e desenvolvimento do que o Brasil como país. E o Facebook vale mais do que o PIB da própria Dinamarca.

O trabalho do “tecno-embaixador” é identificar e reportar tendências, estabelecer parcerias em joint-ventures intensivas em conhecimento e buscar oportunidades para empresas dinamarquesas de base tecnológica.

Tudo isso soa como música aos meus ouvidos —mas a melodia para mim é um tanto sentida. Escrevi há 20 anos um livro intitulado “Tecnologia & Diplomacia - Desafios da Cooperação Internacional no Campo Científico & Tecnológico”.

Nele defendia a criação de estruturas formais em nosso Ministério das Relações Exteriores para lidar com a ascensão da tecnologia como item da agenda internacional.

Não importa, os dinamarqueses saíram adiante na fusão multitemática entre economia, tecnologia e política externa. Chamam essa nova forma de inserção global e tecnológica de “tecnoplomacia”.

Há algo de extremamente inovador acontecendo no reino da Dinamarca.

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