Marcos Troyjo

Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia

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Marcos Troyjo
Descrição de chapéu Venezuela

Argentina e Venezuela, os ex-mais ricos da América Latina

Tudo isso tem menos a ver com aptidões, inimigos ou armadilhas, e mais com instituições, planejamento e visão

Grupo de dez pessoas carrega faixa com as cores da bandeira argentina e a expressão "não ao FMI" em espanhol em uma rua da capital argentina. Ao fundo, outras pessoas carregam bandeiras de diferentes tamanhos e mensagens políticas
Sindicalistas, estudantes e grupos políticos contrários ao presidente da Argentina, Mauricio Macri, protestam em Buenos Aires contra acordo com o FMI - Eitan Abramovich - 17.mai.18/AFP

Já sabemos que a Argentina está mais uma vez recorrendo ao FMI (Fundo Monetário Internacional). E a Venezuela, com eleições fraudadas e consequentes sanções internacionais contra sua economia, ilustra a tese de que algo jamais é ruim o bastante que não possa piorar. 

Cabe recordar, no entanto, que durante a primeira metade do século passado, a Argentina foi o país mais rico da América Latina. A contar dos anos 1970, tal posição, de acordo com o critério do PIB (Produto Interno Bruto) per capita, foi ocupada pela Venezuela, que manteve o status até 2001.

Não é realmente estonteante pensar que a Argentina, agora às voltas com mais uma de suas recorrentes crises fiscais, há cem anos era mais rica que países como França e Alemanha?

A derrocada argentina levou Simon Kuznets, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, a declarar notoriamente que há somente quatro tipos de países no mundo: os desenvolvidos, os subdesenvolvidos, o Japão e a Argentina.

Muito disso vale também para a Venezuela. Há apenas dezessete anos, em que pese sua grande desigualdade socioeconômica, os venezuelanos ostentavam renda por habitante mais próxima à da Europa mediterrânea do que de seus primos latino-americanos mais pobres. 

Para argentinos e venezuelanos vitimistas, o declínio de seus países se deve a complôs internacionais concatenados pelo Norte desenvolvido, sobretudo a partir dos interesses de Washington. O “imperialismo” é a fonte de seus males. 

A “guerra argentina” contra os “fundos abutres” durante a presidência de Cristina Kirchner e a recente decisão venezuelana de expulsar de Caracas o diplomata norte-americano mais graduado são exemplos de tal visão de mundo. 

Outros, consternados pelo baixo desenvolvimento tecnológico de ambas nações, botam a culpa no que, à primeira vista, parece uma bênção. A riqueza agropecuária e mineral da Argentina e a abundância de petróleo na Venezuela submeteriam esses países à chamada “maldição das matérias-primas”. 

Esse feitiço das commodities supostamente projeta vários efeitos negativos sobre os países que as detêm. Dentre eles, podemos elencar o desencorajamento à diversificação setorial da economia, baixo incentivo ao investimento para educar e capacitar a mão de obra, sujeição aos humores de um mercado em que os bens são “comprados”, e não “vendidos”.

É preciso ainda mencionar que a abundância de recursos em tempos de “boom” de commodities convida à irresponsabilidade fiscal e ao populismo. 

E, num patamar mais estrutural, há ainda a narrativa, nem sempre corroborada pelos fatos, de que as matérias-primas inevitavelmente se depreciam ao longo do tempo frente à valorização progressiva de produtos com maior conteúdo tecnológico. Trata-se aqui da suposta “deterioração dos termos de troca” —cerne do pensamento estruturalista latino-americano. 

Muito disso é verdade. Não há, contudo, nenhum automatismo entre ser um produtor de matérias-primas e daí necessariamente tornar-se prisioneiro de uma economia de baixo valor agregado. Canadá e Austrália dispõem de enormes vantagens comparativas em commodities minerais. Os EUA até hoje são os maiores exportadores mundiais de commodities. Nada disso os torna pouco expressivos no universo dos bens intensivos em tecnologia.

Faça então uma breve comparação entre, digamos, Venezuela ou Emirados Árabes Unidos. Há cinquenta anos, se alguém aventasse a possibilidade de que uma metrópole, graças ao empurrão inicial de exportações de petróleo, emergiria como hub global da logística, serviços financeiros, logística, alta tecnologia e entretenimento, todos diriam que tal centro seria Caracas, e não Dubai. 

Tudo isso tem menos que ver com aptidões naturais, inimigos imaginários ou armadilhas do destino, e mais com instituições, planejamento e visão.

Numa recente viagem a Buenos Aires, eu caminhava pelas ruas com um amigo portenho falando sobre as agruras argentinas —e brasileiras. De repente, ele parou em frente a uma loja de souvenires que vendia pôsteres de Perón, Evita, Che Guevara e Cristina Kirchner. Ele então me perguntou: “dá para construir um país de futuro tendo por referência esses ícones?”

Não existe a tal “maldição das matérias-primas”. Há apenas a maldição das más políticas e da ausência de estratégia.

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