Marcos Troyjo

Diplomata, economista e cientista social, é diretor do BRICLab da Universidade Columbia

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Trump, Bernanke e a 'globalização primeiro'

Guerra comercial entre China e EUA é ruim para os dois países

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Num evento público realizado nesta semana em Nova York, Ben Bernanke, ex-presidente do Federal Reserve Board, o FED (banco central norte-americano), discorria sobre o que pode dar errado com a economia mundial nos próximos 12 meses. Vale lembrar que o mundo inteiro, de modo sincrônico, tem expansão econômica projetada para o biênio 2018-19, situação algo rara.

Há ameaças geopolíticas: incertezas em torno do futuro do acordo nuclear com o Irã depois que os EUA de Trump anunciaram sua saída; um recrudescimento da situação no Oriente Médio tendo por pontos nevrálgicos Síria ou Palestina; a evolução do processo de distensão na península coreana. Bernanke sustenta que qualquer avaliação objetiva sobre tais assuntos depende do grau de intensidade e duração de cada fator fragmentário.

O ex-presidente do FED passou então a avaliar os riscos de natureza mais econômica. Como seria natural supor, Bernanke confia, dada a independência institucional do banco central nos EUA, que a política monetária de seu país será implementada a partir de uma abordagem “holística”.

Isso significa um olho na situação interna, onde o bastante aquecido PIB norte-americano neste ano deve expandir-se à vizinhança de 3% e o desemprego já está em baixíssimos 3,9%. E outro na situação global, em que uma subida acelerada de juros nos EUA produziria desequilíbrios em mercados emergentes com reflexos posteriores na própria economia dos EUA.

 

Bernanke tampouco teme maiores pressões inflacionárias resultantes de um quadro em que “todos estão crescendo”. O efeito globalmente disseminado de barateamento e eficiência de novas tecnologias de informação e produção ajuda a manter contida a tendência de alta de preços.

É na alteração do regime tributário nos EUA e numa eventual guerra comercial que, segundo o ex-chefe do FED, estão as maiores ameaças para a economia mundial.

O primeiro fenômeno pode, num curto prazo, deslocar atividades produtivas e sedes de Tesouraria para os EUA, com previsível “efeito dominó” negativo sobre outros países. Estes, no entanto, não assistiriam a tal dinâmica de modo passívo, e provavelmente precipitariam uma espécie de “guerra fiscal”.

Países menores, mas de grande importância em funções de Tesouraria, como Irlanda ou Singapura, poderiam adotar tais adaptações em seu regime tributário bem rapidamente. E atores como China ou Índia estariam tentados a desvalorizar ainda mais suas moedas para conferir competitividade adicional a suas exportações.

No segundo, o advento de uma guerra comercial, Bernanke visualiza potencial diminuição do fluxo de transações e impacto direto no valor de empresas transnacionais norte-americanas cotadas em bolsa de valores, com eventuais reflexos negativos em várias outras classes de ativos. E, pelo jeito, não é só Bernanke que tem calafrios com o espectro de uma guerra comercial.

Numa impressionante reviravolta nos seus esposados princípios de "América primeiro ", Trump comunicou pelo seu Twitter domingo passado que estava trabalhando com o colega Xi Jinping para evitar o colapso da gigante chinesa de telecomunicações ZTE.

A empresa enfrenta dificuldades nos últimos meses por dois obstáculos impostos pelo Departamento de Comércio dos EUA. Um relaciona-se a um tipo de lista negra que os EUA mantêm com empresas que negociam com países como Irã ou Coreia do Norte. O outro tem que ver com supostos desrespeitos a direitos de propriedade intelectual pertencentes a empresas de tecnologia americanas.  

As sanções impostas pelo Departamento de Comércio dos EUA têm duração prevista de sete anos e, nesse período, a ZTE se vê impedida de comprar componentes de empresas americanas — itens essenciais à montagem dos produtos finais comercializados pela ZTE.

Bem, numa situação como essa, o que poderia ter feito o presidente Trump deixar de lado sua postura mais dura na negociação com os chineses? A busca de criação de uma atmosfera positiva às vésperas do encontro Trump-Kim agendado para 12 de junho em Singapura — cúpula em que o entorno chinês é de influência importante?

Será que Trump quer evitar, em termos de imagem pública, que o colapso da ZTE seja creditado em sua conta, criando assim uma perigosa má vontade no contexto em que chineses e americanos redefinem a arquitetura de suas relações comerciais?

O mais correto é que, em tal atitude, Trump revele que deseja que as empresas americanas fornecedoras da ZTE não tenham prejuízo. Vendas de tecnologia e serviços a clientes chineses ocupam enorme espaço na saúde de companhias americanas. As cadeias de valor aqui falam mais alto e exprimem que na “globalização primeiro” a grande maioria de setores de China e EUA saem ganhando com sua cooperação.

A interdependência entre China e EUA é tamanha que, no limite, com a eclosão de uma guerra comercial jamais um dos contendores poderia emergir vitorioso.

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