Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

O PT e o Judiciário: a criatura voltou-se contra o criador?

Crédito: Lucio Tavora / Folhapress BRASILIA, DF, BRASIL, 17-06-2015, 10h00: Sessão do TCU que vai julgar as contas do governo Dilma Rousseff e as chamadas pedaladas fiscais. O relator é o Ministro Augusto Nardes e o presidente da corte é o ministro Aroldo Cedraz. Integrantes do movimento Vem pra Rua fazem protesto, pedindo a rejeição das contas. Eles colocaram faixas e bicicletas na parte externa do TCU. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
Prédio do TCU, em Brasília

A tese de que foram os governos do PT que lançaram as bases da autonomia e protagonismo das instituições de controle lato senso (Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Contas) incorre em erro argumentativo sério. Essas características são o produto da delegação ampla de poderes a tais instituições ocorrida na Constituinte de 1987-88, na qual o PT detinha 2,9% dos assentos.

É acurada a conclusão do então procurador-geral da República ao afirmar, quando a nova Carta foi promulgada, que "poucos textos constitucionais terão confiado tanto no Poder Judiciário e nele, em particular, o Supremo Tribunal Federal". O Ministério Público converteu-se "no mais poderoso do mundo, após o italiano," como afirmou o cientista político especializado no tema Carlo Guarnieri (Universitá di Bologna).

Que fatores explicam tal delegação de poderes? Em primeiro lugar, o fato de que a Constituinte estava fragmentada politicamente: não havia setor hegemônico. O próprio presidente da República —historicamente o formador da agenda— não teve protagonismo, salvo quanto a questões pontuais. Como mostra uma extensa literatura, face à incerteza em relação ao futuro, os atores, ao criar regras, delegam amplos poderes que lhes garantam proteção.

Essa delegação foi articulada por uma coalizão de setores liberais e da esquerda que formavam a oposição ao regime militar. Para os primeiros, o fundamental era o controle do abuso do Poder Executivo. Para o segundo, os direitos e garantias individuais eram essenciais e sua agenda refletia o arbítrio e perseguição de que foram vítimas.

A extensa delegação também imbricava-se em um dilema de segunda ordem. Havia virtual unanimidade nos setores de alto escalão da burocracia pública e juristas, desde a década de 1950 —vide os trabalhos da Comissão de Reforma Constitucional de 1956—, de que era necessário fortalecer o Poder Executivo na área administrativa, orçamentária e legislativa. Como o país saía de um regime ditatorial, forte delegação de poder às instituições de controle se fazia ainda mais necessária para controlá-lo: "para um cachorro grande, uma coleira forte".

O que permitiu a consolidação e sustentabilidade dos fins perseguidos pelo desenho institucional foi a robusta competição e alternância política ocorrida nos últimos 30 anos. Como um dos polos dessa competição, o PT contribuiu certamente para lhes dar sustentação (iniciativas recentes —por exemplo, a Lei de Organizações Criminosas— serão objeto de nova coluna). Recentemente a ação dessas instituições estendeu-se do Poder Executivo ao Legislativo.

Foi, assim, a democracia —e o pluralismo— que permitiu a autonomização das instituições de controle, não partidos ou governantes.

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