Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo
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O foro só importa se condenação em segunda instância levar à prisão

O preço da liberdade de Lula pode ser alto demais para o STF

Estátua da Justiça no Supremo Tribunal Federal
Estátua da Justiça no Supremo Tribunal Federal - Lula Marques/Folhapress

Condenado pela Justiça mexicana por vários crimes —além de ligação com o cartel La Família Michoacana—, Godoy Toscano foi eleito para a Câmara dos Deputados em 2009. Foragido por 15 meses, conseguiu escapar do cerco policial, adentrar o recinto da Câmara e tomar posse, recuperando o mandato do suplente e, mais importante, o “fuero”.


No Brasil as imunidades são ainda maiores do que no México, segundo o único trabalho empírico existente sobre o assunto, de autoria de Karthik Reddy (Universidade de Harvard) e coautores. Os pesquisadores construíram um índice de imunidade parlamentar para os 78 países que são considerados democracias.


No Paraguai e na Inglaterra, as imunidades aos detentores de cargos eletivos são, respectivamente, as mais amplas e as mais restritas. O Brasil está muito próximo do Paraguai. A América Latina é a região onde as imunidades parlamentares são maiores: todos os países no quintil superior da distribuição dos escores são dessa região.


Jacques Lambert em 1963 sublinhou a relação inversa entre democracia e imunidade parlamentar. A relação é “endógena”: há mais imunidade onde a demanda é maior!


As imunidades na América Latina foram produto de uma coalizão de interesses associados à defesa do Parlamento contra o abuso de poder, por um lado, e de interesses voltados para assegurar a impunidade das elites quando seus interesses individuais estão em jogo, por outro. 


Na medida em que os países se tornam menos autoritários, as questões relativas à “inviolabilidade” do mandato perdem valor e as voltadas para a imunidade enquanto obstáculo à ação do Judiciário adquirem maior importância.


O Brasil vinha em trajetória virtuosa com a aprovação da emenda à Constituição 35/2001, que eliminou a licença prévia para ação penal contra parlamentar. Mais ainda, com a decisão do STF, em 2016, permitindo a execução provisória da pena após julgamento em segundo grau. 


Eis que a aprovação do instituto da delação premiada produziu um choque nessa trajetória virtuosa: o risco real para as elites deixou de ser o foro mas a prisão após decisão de segundo grau —condição sine qua non do novo instituto. 


Aliança espúria entre garantistas e os que estão interessados em impedir a prisão de Lula a qualquer preço ameaça o equilíbrio. O preço a ser pago por sua liberdade —viabilizada por um casuísmo ou pela derrubada do instituto— é a derrocada do STF. 


O precedente é o caso de Ronaldo Cunha Lima, que renunciou ao mandato de deputado (e ao foro), em 2007, quando o STF estava pronto para condená-lo, 14 anos após tentativa de matar o ex-governador Tarcísio Burity. Nunca foi preso.

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