Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

A improvável morte das democracias

O iliberalismo à esquerda e à direita é o perigo real

No livro “Como as Democracias Morrem”, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (professores de Harvard) discutem uma ameaça que provavelmente nunca se concretizará: a morte da democracia nos EUA, ou em qualquer outro país da primeira ou segunda onda da democracia.

A primeira delas (1820- 1922) envolveu 29 nações; a segunda (1945- 1962), 36. A terceira onda começa com a Revolução dos Cravos (1974) e se estendeu à América Latina e ao Leste Europeu. Nesse grupo de cerca de 60 democracias, várias são atualmente vulneráveis.

“A democracia é um bem de luxo”: a demanda por esse tipo de regime aumenta com a renda. A conclusão é de Adam Przeworski, baseada em evidências para o período 1950- 2000. 

Embora existam países ricos autocráticos, a resiliência democrática é tanto maior quanto maior a renda (pelo efeito sobre educação, formação de classe média robusta, redução da desigualdade etc.). 

A probabilidade estimada de colapso da democracia em um país com renda per capita superior a US$ 6.055 (paridade do poder compra), equivalente a da Argentina em 1975 (cerca de US$ 26 mil hoje), é zero.

Afora a renda, o melhor preditor de resiliência democrática é a experiência prévia com oligarquias competitivas, nas quais a participação é limitada, mas os resultados eleitorais são respeitados e há um regime de liberdades —por exemplo, França, Inglaterra e Austrália na segunda metade do século 19 e início do 20.

Pode-se contra-argumentar que o passado não determina o presente. Mas o subtítulo do livro de Levitsky e Ziblatt, “o que a história ensina sobre nosso futuro”, afirma o contrário.

Difícil falar de um padrão, pois há um claro viés de seleção nos casos heterogêneos discutidos no livro: EUA, Rússia, Turquia, Polônia, Hungria, Tailândia, Venezuela, Nicarágua. 

Antes da década de 1990, a Polônia, por exemplo, nunca havia tido oligarquia competitiva. Mas como sua renda per capita multiplicou-se por sete desde a década de 1990 e o país está integrado à União Europeia, as chances de sua democracia “morrer” são muito baixas. 

A democracia na Nicarágua deveria surpreender por razões opostas: afinal, como poderia prosperar em um país com US$ 2.000 de renda per capita e com história de autocracias predadoras? Da Venezuela tratei em outra coluna.

Em nenhum país similar aos EUA a democracia se deteriorou marcadamente: e mesmo lá os freios e contrapesos estão ativos. É inegável, entretanto, que nos EUA a vida pública tem sofrido uma deterioração que se reflete na erosão de normas sociais.

O livro não é sobre a morte da democracia, mas sobre os perigos do iliberalismo, à esquerda e à direita. Difícil exagerar sua importância para nosso debate público.

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