Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Quem é o responsável?

Na luta contra a Covid-19, começar mal importará pouco, mas é nas crises que os políticos revelam quem são

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"Os príncipes devem transferir as decisões importunas para outrem, deixando as agradáveis para si." Maquiavel acerta no conselho aos governantes, mas os mecanismos de reivindicação de crédito por acertos e transferência de culpa por decisões impopulares que impõem custos à população são complexos.

Em princípio, esperamos que o eleitorado premie o bom desempenho e puna o mau. Mas em situações de pandemias e desastres naturais, pesquisas mostram que os eleitores respondem emocionalmente punindo os incumbentes mesmo quando não existe nenhuma razão para lhes atribuir responsabilidade por tais eventos. A lógica é "descontar no cachorro a raiva por um mau dia", como afirmam os cientistas políticos Larry Bartels e Christopher Achen.

Substituir a emoção pela avaliação do desempenho equivale à falência da "accountability" democrática: os políticos não teriam incentivos para o bom desempenho e deveriam contar apenas com a sorte.

Seus críticos contra-argumentam que ocorre maior punição em situações de calamidade, porque elas criam uma janela para o eleitorado observar seu representante em ação. Os eleitores agiriam racionalmente e não emotivamente, concluem Scott Ashworth e coautores, punindo políticos durante crises, porque só nelas podem observar o "tipo verdadeiro" de representante que têm e punir os maus.

Mas há também evidências de que o eleitorado é míope —desconta hiperbolicamente o futuro. Utilizando uma base de dados cobrindo 3.141 condados americanos e 26 programas federais de prevenção de catástrofes no período 1988-2004, Andrew Healy e Neil Malhotra mostram que o eleitorado premia os presidentes pelas despesas desembolsadas após os desastres, mas não por aquelas voltadas para a prevenção. Essa falha do mercado político produz gigantesca ineficiência: embora a despesa pós-evento seja estimada em 15 vezes a da prevenção, os políticos não têm incentivos para estas, apenas para aquelas.

Não há só limites e vieses na atribuição de responsabilidade aos governantes. Andrew Reeve e coautores mostram que as estratégias maquiavélicas de transferência de responsabilidade para outros atores podem sair pela culatra. Em experimentos com amostras aleatórias e grupos de controle, eleitores punem políticos que adotam tais estratégias e premiam os que assumem responsabilidade e até reconhecem erros.

Na atual pandemia, são três as lições a tirar para Trump, Johnson e Bolsonaro: ter começado mal importará pouco; transferir responsabilidade não funcionará; é possível reconhecer a culpa, mesmo que tardiamente. E mais importante: a crise revelará sua real capacidade e liderança, não há como escapar.

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