Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Marcus André Melo

Faz sentido em falar em golpe branco ou autogolpe?

Na medida que golpes tornaram-se raros ou desapareceram, o termo passou a ser utilizado adjetivado

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Muitos analistas tem discutido se a invasão do capitólio americano representa um golpe, ou um autogolpe.

A rigor, com alguma licença poética, podemos denominar qualquer coisa de golpe. O interesse pela questão relaciona-se com um debate mais amplo sobre a “morte da democracia” nos EUA —embora o que tenhamos assistido é a sua sobrevivência. Afinal, o partido republicano perdeu o controle da Câmara, em 2018, e agora do Senado e a presidência.

Aqui não há surpresas, embora o debate confirme uma conclusão instigante de Marsteintredet e Malamud em um paper intitulado “Golpes com adjetivos”. Na medida que os golpes tornaram-se raros ou desapareceram o termo passou a ser utilizado com mais frequência e adjetivado: golpe branco, parlamentar, judicial, autogolpe, etc.

Os autores mapearam o uso do termo na literatura acadêmica e a frequência anual de golpes desde 1804, e mostram que a disjunção entre eventos e referências acadêmicas só começa nos anos 1990. Concluem que quando a ocorrência de um conceito diminui, o conceito expande-se para incluir exemplos que previamente excluía.

Nas democracias atuais, a distinção legal/ilegal é crucial para caracterizar golpes: “o perigo conceitual é misturar golpes com táticas legais para a substituição de governos”, como impeachments, que tem se tornado cada vez mais frequentes. A confusão conceitual impede que se reconheça o avanço institucional ocorrido sinalizado pelo fato que os golpes tornaram-se eventos raros.

Outra distinção crucial é entre golpes/autogolpes e protestos violentos ou atentados. Golpes são realizados com uma intenção clara de tomada do poder ou a perpetuação de governantes nele, com a ameaça ou uso efetivo de força.

Golpes também não envolvem necessariamente violência e mortes. Utilizando uma base dados contendo todos (n= 377) os casos de golpes registrados entre 1950 e 2017, De Bruin mostra que há ampla variação no uso da violência entre os casos. Não há fatalidades em dois terços dos golpes.

Contraintuitivamente, os golpes contra regimes militares e aqueles liderados por oficiais de alta patente, envolvem menos violência que outros tipos de golpes. Golpes são jogos de coordenação e altos oficiais, em contraste com ditadores civis, tem maior capacidade de coordenar ações e antecipar resultados, o que explica a violência menor.

A conclusão sobre o evento do capitólio exige evidências sobre se houve coordenação envolvendo Trump, e se ele esperava que a ação lhe permitiria permanecer no poder. Suspeito que elas não existem e que o evento visava a construir uma “narrativa de saída” para a derrota sofrida.

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