Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

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Vacina política

A vacina contra a hiperfragmentação não pode ser cancelada

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O que há em comum entre a bancada federal de Espírito Santo, Roraima, Rondônia, Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e Amapá? E de Goiás, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Acre, Amazonas e Piauí?

No primeiro grupo todos os deputados provêm de partidos diferentes; a fragmentação alcançou o maior valor matematicamente possível. No segundo, a situação é marginalmente diferente: o maior partido da bancada tem dois representantes, os demais, um. Sim, a hiperfragmentação política entre nós ultrapassou as raias do absurdo.

O número efetivo de partidos na Câmara Federal alcançou em 2018 o maior valor já registrado em qualquer país, 16,46. Não me refiro ao número nominal de partidos mas ao número efetivo, uma métrica que pondera os partidos pelo seu tamanho. O número nominal não importa: o Reino Unido tem 408 partidos registrados, inclusive o Church of the Militant Elvis Party; dez possuem pelo menos um representante no parlamento. Os EUA têm 61 nominais, inclusive o Marijuana Reform Party. O número efetivo no Reino Unido e nos EUA é 2,4 e 1,99, respectivamente.

Pesquisas já identificaram os fatores que explicam comparativamente a variação no número de partidos. O principal é a regra eleitoral: o voto em distritos de um só representante produz bipartidarismo; a representação proporcional, o multipartidarismo.

Outros fatores importam: a magnitude do distrito eleitoral (no Brasil, os estados); o número total de cadeiras no legislativo; cláusulas de barreira; adoção do segundo turno; o peso das eleições subnacionais; e a heterogeneidade social.

Mas há uma especificidade brasileira: a estarrecedora soma de recursos públicos distribuídos aos partidos na forma de fundo partidário, de campanha e tempo de TV. Por exemplo, o desconhecido Unidade Popular recebeu em 2020 R$ 1,2 milhão. Os partidos não precisam de votos para receber fundos e tempo de TV. (A astronômica soma para quem tem voto é outro assunto). Essa é a diferença entre o Brasil e o Reino Unido.

Fora os dois maiores partidos que detém 10% do total de cadeiras, há dez partidos médios com algo entre 5% e 7%, situação inédita no mundo, e que tem causado profundo cinismo cívico, que está na base da situação em que vivemos.

O que é estarrecedor é que a terapia para mitigar o problema já havia sido aprovada na reforma de 2017, que introduziu cláusula de desempenho, que tem implementação gradual e proíbe coligações em eleições proporcionais. No entanto, surge uma mobilização na Câmara para derrubar o dispositivo.
É como se, aplicada a primeira dose da vacina antifragmentação, se buscasse impedir a aplicação das demais.

Parlamentares do PSOL protestam contra Jair Bolsonaro no momento em que ele inicia discurso na abertura do ano legislativo no plenário da Câmara
Parlamentares do PSOL protestam contra Jair Bolsonaro no momento em que ele inicia discurso na abertura do ano legislativo no plenário da Câmara - Pedro Ladeira/Folhapress

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